divulgação (Foto: OSID)
Crise nos hospitais filantrópicos pode fechar as portas de 86 unidades
no estado
Na Bahia, a dívida do setor gira em torno de R$ 124 milhões e a as
entidades cobram atualização da tabela de pagamento do SUS
Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em
19 de maio de 2022
Metade das portas de entrada para oSistema Único de Saúde (SUS) podem
fechar em breve. Com isso, em toda a Bahia, 86 hospitais vão parar de atender.
Cirurgias mais comuns, como de procedimentos ortopédicos, estarão 50% mais
difíceis de serem acessadas. Já as mais complexas, como de ponte de safena,
70%.
“O que um usuário esperava três meses, vai esperar um ano e olhe lá. É
colapso total”, diz a presidente da Federação das Santas Casas da Bahia (Fesfba),
Dora Nunes. A população deve experimentar essa realidade, pelo menos durante um
dia, na próxima quarta-feira, 25. Em crise financeira, as Santas Casas e
entidades filantrópicas do Brasil vão fazer uma manifestação em frente ao
Planalto, em Brasília, e discutem a paralisação de 24 horas de todo o setor.
As entidades são responsáveis por 70% dos atendimentos de alta
complexidade que são disponibilizados aos usuários do SUS, além de mais da
metade dos atendimentos de média complexidade, segundo a Confederação das
Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Brasil (CMB).
Caso fossem encerrados, restariam apenas 30% de unidades de saúde para
cuidar de pacientes com câncer, por exemplo, que são mais de 600 mil pessoas em
todo o país, de acordo com a última atualização do Instituto Nacional de Câncer
(Incra), feita em abril. Em algumas cidades do interior baiano, como Campo
Formoso, Barra e Catu, ainda, a população ficaria sem qualquer hospital. Essa é
a situação de 824 municípios em todo o Brasil, que contam unicamente com os
hospitais filantrópicos para a assistência em saúde.
No entanto, o constante subfinanciamento do Sistema de Saúde às Santas
Casas e entidades filantrópicas preocupa os gestores dos equipamentos.
Inflação e dívidas - Nos últimos dez anos, pelo menos três dentre os dez maiores
hospitais do tipo em Salvador faliram: o Hospital Espanhol,
o Sagrada Família e o Hospital Evangélico.
No mesmo período, 315 entidades filantrópicas fecharam em todo o país, e
mais de dez em toda a Bahia. As que restaram continuam lutando.
Na última quarta, foi realizada uma marcha simbólica na capital federal
para reivindicar um maior financiamento do SUS aos hospitais, com reajustes
inflacionários, e atualização dos contratos, que são os mesmos assinados em
2012.
Somadas todas as operações financeiras, o passivo com fornecedores e
outros, a CMB estima que há, no total, um endividamento de R$ 20 bilhões dos
hospitais filantrópicos.
“Essas entidades não chegaram ao que chegaram de uma hora para outra. A
própria modernização, com portarias e exigências do Ministério da Saúde, que
não financia, ajudou a levar a isso”, diz o provedor da Santa Casa de
Misericórdia da Bahia, José Antônio Rodrigues Alves.
De acordo com Antônio, o IAC, Incentivo à Contratualização, da tabela do
SUS, teve correção nos últimos 20 anos de 90%, enquanto a inflação foi de 700%.
Isso levou com que os hospitais filantrópicos recorressem a empréstimos, com
juros e carências nada razoáveis.
“Do total do meu endividamento, que é cerca de R$ 130 milhões, R$ 100
milhões são do SUS conosco. E o que o governo federal fez? Me emprestou o
dinheiro pelo BNDES e vou pagar juros. Esse sistema é altamente deficitário e
gerou o fechamento de entidades filantrópicas”, afirma o provedor da Santa Casa
da Bahia.
Osid vive pior crise
Um dos maiores complexos de saúde do país com atendimento 100% gratuito,
as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID) correm o risco de se juntar aos equipamentos
que fecharam as portas — não só por um dia, em forma de protesto, mas
permanentemente.
Segundo a superintendente das OSID, Maria Rita Pontes, esse é o momento
mais difícil dos 63 anos de existência da instituição. A dívida atual da
entidade é de R$ 24 milhões, mas uma projeção aponta que, até dezembro de 2022,
ela pode passar a mais de R$ 40 milhões.
“Já tivemos várias crises, mas essa com certeza é uma das mais
complicadas, porque vem num momento ainda de pandemia, com esse cenário de
inflação que afeta a saúde”, explica.
Foi a partir da OSID que a paciente Genivaldete de Jesus Santos, 63, passou
de uma estimativa de vida de apenas três meses, devido a um câncer muito
agressivo, para sete anos sendo cuidada na Unidade de Alta Complexidade em
Oncologia (Unacon).
“Muitas pessoas que tinham plano de saúde passaram a usar o SUS. Então,
esse contingente aumenta a cada dia e, em contrapartida, a oferta de serviços
diminui. Com essa crise, não havendo nenhuma solução, a oferta de serviços vai
diminuir ainda mais”, afirma a presidente da Fesfba, Dora Nunes.
Por meio de nota, o Ministério da Saúde (MS) afirmou que os valores da
Tabela de Procedimentos do SUS são atualizados constantemente e diz que a
tabela não é a única forma de financiamento dos serviços de saúde.
“O Ministério da Saúde repassa mensalmente, aos fundos estaduais e
municipais de saúde, recursos financeiros destinados ao custeio de serviços
hospitalares de média e alta complexidade”, diz a nota.
O MS disse que, em 2021, foram repassados pera aos estados e municípios
mais de R$ 45,5 bilhões para o custeio de serviços hospitalares. Em 2022, mais
de R$ 16 bilhões até então.