Divulgação (Foto: reprodução)
Infectologista
diz que caso de cólera acende alerta e defende que condição fique "no
radar dos médicos"
Ao Portal M!, Maurício
Campos falou sobre as formas de transmissão da doença, principais sintomas e
como prevenir
O anúncio de um caso de cólera em Salvador,
após 18 anos sem casos notificados no Brasil,
acendeu o alerta para a condição. Por conta disso, o Portal M! ouviu o médico
infectologista, Maurício de Souza Campos, para falar sobre a transmissão,
sintomas da doença e formas de prevenção. Durante a entrevista, o especialista
defendeu que a condição deve estar "no radar dos médicos", para que
pacientes com história clínica de diarreia intensa e desidratados sejam
investigados para cólera.
Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico local é o primeiro
registrado desde 2006. Os últimos casos locais haviam sido identificados entre
2004 e 2005, em Pernambuco. Desde então, somente houve registro de casos
importados.
"A confirmação desse caso acende um alerta, mas é
importante a gente também registrar que foi um caso incidental. Esse paciente,
inclusive, foi diagnosticado, digamos, ao acaso, não havia naquele momento uma
suspeita de cólera, até porque tem mais ou menos 19 anos que a gente não registra
nenhum caso de cólera na Bahia, no Brasil, de uma forma geral", apontou o
médico, que atua no Hospital Santo Antônio, das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid)
e Hospital Dantas Bião de Alagoinhas, além de atender em consultório
particular.
Conforme o especialista, a condição foi atestada através de um
exame chamado "coprocultura", que realiza a cultura das fezes.
"Esse exame é capaz de isolar algum patógeno que esteja ali nas fezes e
que esteja justificando a diarreia. E quando foi feito esse isolamento, se
identificou a bactéria que causa o cólera, que é o Vibrio cholerae. E então, o
caso foi imediatamente notificado, porque é uma notificação obrigatória. E por
conta disso, as autoridades sanitárias também fizeram o que deveria ser feito e
o que é preconizado", explicou.
Segundo o médico, após a identificação do caso, o objetivo é
contar a doença e evitar a proliferação. Para isso, é realizado um estudo da
água da região em que o paciente mora, verificar também a questão da higiene
local, além de uma observação das pessoas que tiveram contato próximo com a
pessoas diagnosticada, que podem ser moradores do mesmo domicílio, colegas de
trabalho.
"Todas as pessoas que tiveram muito próximo dele com
possibilidade de infecção também ficam no radar de observação, para ver se vão
manifestar sintomas. Até onde se sabe é um caso isolado, ninguém mais
apresentou nem manifestou sintoma, mas isso acende um alerta porque é o
primeiro caso em 19 anos. Então, a gente tem realmente que monitorar. É
importante, a partir de agora, que isso fique no radar dos médicos. Toda vez
que um paciente chegar com essa história clínica de diarreia intensa,
desidratado, é importante que a gente tenha em mente que pode ser cólera e
solicitar o exame", defendeu.
Maurício Campos é mestre e
Doutor em Processos Interativos de Órgãos e Sistemas pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA) | Foto: Divulgação
Transmissão e sintomas
Conforme a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o
homem de 60 anos diagnosticado com a condição, não tem histórico de
deslocamento para países com ocorrência de casos confirmados, nem de contato
com outro caso suspeito ou confirmado da doença. Em função disso, surgem
dúvidas sobre a transmissão da doença.
De acordo com o especialista, a bactéria que causa a doença
possui uma transmissão predominantemente fecal-oral. "A ingestão de
alimentos e água contaminados é a principal forma de contaminação, mas também
pode ocorrer contaminação pessoa a pessoa. É por isso que a gente tem o máximo
de cuidado e vigilância quando acontece um caso, porque é uma doença que
facilmente se alastra, podendo ser transformada rapidamente em um surto e até
mesmo numa epidemia. Então, é uma doença que tem essa via de transmissão que
facilita o contato de pessoa a pessoa", detalhou.
Ainda conforme a Sesab, todas as medidas necessárias para
prevenção e controle, como análise da água, foram prontamente implementadas.
Segundo a pasta, a situação está sendo "monitorada".
Entre os principais sintomas da cólera, o especialista a
descreveu como uma das doenças diarreicas, visto que seu principal sintoma é a
diarreira. No entanto, diferente dos casos em que o paciente tem uma infecção
intestinal e evolui, a cólera apresenta uma diarreira intensa e volumosa.
"Essa diarreia faz com que o paciente desidrate muito
rapidamente. A desidratação é rápida, e é isso que pode agravar o caso, levando
o paciente inclusive a óbito. Associado a essa diarreia, o paciente tem
sintomas gástricos como náusea e vômito. E por conta dessa diarreia intensa e
rápida, ele perde o que a gente chama de eletrólitos, principalmente sódio,
potássio e cálcio. E aí, pode provocar alguns sintomas secundários a essa
perda, como câimbra generalizada no corpo. A gente não costuma ver febre e
obviamente, como o paciente está com uma diarreia intensa, ele também vai
apresentar prostração, e letargia", detalhou.
Ainda segundo o especialista, é em função do processo de
desidratação e perda de eletrólitos que existe o risco de óbito. Por conta
disso, ele defende que pacientes que apresentam diarreia por cerca de uma
semana, e que não possui causa aparente, devem buscar um médico.
"O potássio, por exemplo, tem uma relação direta com a
questão do batimento cardíaco, então quando você desidrata de forma muito
rápida e de forma grave, você acaba comprometendo alguns órgãos do corpo,
principalmente coração e rim. Então é uma doença que merece uma atenção muito
cuidadosa e preferencialmente o paciente faz todo o tratamento internado",
observou.
Prevenção
Por fim, o infectologista falou sobre as formas de prevenção
para a doença. De acordo com o Ministério da Saúde, existem vacinas para a
cólera, mas elas são destinadas a populações de áreas com cólera endêmica e em
situação de crise humanitária com alto risco de ou durante surtos da doença. Em
função deste cenário, as doses não fazem parte do programa de imunizações do
Brasil.
De acordo com o especialista, por não contarmos com a vacina, a
melhor estratégia está ligada à higiene dos alimentos que serão ingeridos.
"A gente recomenda que a população continue com o hábito de
lavar as mãos antes de levar a mão à boca, ao nariz, aos olhos. Lavar a mão
antes de toda e qualquer refeição. Toda vez que for ao banheiro, seja ele
público, até mesmo dentro de casa, é importante lavar as mãos antes de pegar em
outros objetos. Ou seja, a prevenção, ela está muito mais relacionada ao
autocuidado, a questão de higiene pessoal, porque é essa a forma que a gente
tem de combater. Lembrando que, da mesma forma que outros patógenos, a água e
sabão são fundamental e é o que vai fazer com que você, mesmo entrando em
contato com a bactéria, você não a leve para dentro do seu corpo",
afirmou.
Na última sexta-feira (19), a Organização Mundial da Saúde (OMS)
aprovou uma versão simplificada de uma vacina oral contra a cólera, para
aumentar a produção e enfrentar o aumento do número de casos. A vacina
Euvichol-S é uma fórmula simplificada da Euvichol-Plus, com menos compostos, o
que deve permitir produzir mais rapidamente volumes importantes, informou a
OMS. O composto é produzido pelo grupo sul-coreano EuBiologics e tem eficácia
semelhante a das formulações mais complexas.