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Aprovada no
Senado em 2020, Lei das fake news deve ter efeito inócuo nas eleições
Quase
dois anos após sair do Senado, o projeto das fake news ainda não tem relatório
para ser votado na Câmara dos Deputados, fator que, somado à resistência de
líderes da base e da oposição e ao prazo para entrada em vigor do texto, deve
anular qualquer impacto sobre as eleições de 2022.
O projeto foi aprovado pelos senadores no final de junho de 2020, quando o país
e o Congresso estavam com as atenções voltadas ao enfrentamento da pandemia de
Covid-19.
Logo que chegou à Câmara, o então presidente, Rodrigo Maia (sem
partido-RJ), colocou o texto entre suas prioridades e disse que pretendia
votá-lo até o final de julho daquele ano.
Maia escolheu o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) como
coordenador dos debates sobre o tema. Ataques de bolsonaristas, críticas de
especialistas em direito digital e as eleições municipais, entre outros pontos,
travaram as discussões da proposta.
Em junho do ano passado, o sucessor de Maia, Arthur Lira
(PP-AL), criou um grupo de trabalho para retomar as negociações. O relatório
final do colegiado foi votado em dezembro e, desde a volta do recesso
parlamentar, no mês passado, Orlando Silva tenta costurar um consenso mínimo
com deputados, senadores e o governo.
A ideia inicial é entregar um parecer até o fim de março.
No entanto, a resistência persiste. Há divergências em torno da
rastreabilidade (meios de identificar a origem de um conteúdo enviado), da
transparência do algoritmo (por que alguns perfis ou textos têm alcance maior
que outros), remuneração do conteúdo jornalístico e extensão da imunidade
parlamentar às redes sociais.
A líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP), diz que está
difícil alcançar consenso e que aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL)
"não querem que avance nada que possa coibir a ação deles".
No Senado, que terá a palavra final sobre o projeto, também não
deve haver uma tramitação simples.
Um dos autores do texto, o senador sergipano Alessandro Vieira
(que neste fim de semana anunciou saída do Cidadania), considera que o parecer
que saiu do grupo de trabalho da Câmara tem uma série de complicadores.
"Já é um projeto difícil, e a escolha que ele fez, na minha visão,
aumentou o grau de complexidade, particularmente o que fala de publicidade, a
questão do trabalho jornalístico", disse.
Para ele, o mais urgente é regulamentar ferramentas que podem
gerar distorção na rede, como o uso de perfis falsos e robôs.
"Em nenhum momento você tem uma descrição do que é fake
news, do que é desinformação. A gente [Senado] descreve ferramentas,
comportamentos inautênticos, e a gente cobra a correção disso. E coloca
responsabilidade na mão de quem tem dinheiro e estrutura para fazer, que são as
empresas, até porque elas já fazem."
Vieira vê uma interferência grande de empresas na Câmara.
Além da dificuldade de negociação natural no Congresso, há ainda
outro obstáculo para que as medidas sejam aplicadas para as eleições de
outubro: o prazo estipulado pelo próprio texto.
O artigo que obriga plataformas a adotarem medidas para impedir o funcionamento
de robôs não identificados e a apontar conteúdo impulsionado e publicitário
pago, por exemplo, só entra em vigor 180 dias após a publicação da lei --ou
seja, ainda que o atual texto fosse aprovado na Câmara e no Senado até o fim de
março, as regras só valeriam a partir de outubro.
No mesmo artigo há dispositivo que determina que plataformas de
redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas adotem medidas técnicas
que viabilizem a identificação de contas que apresentem movimentação
incompatível com a capacidade humana.
Outro dispositivo que também só entra em vigor seis meses após a
publicação da lei é o que estabelece que aplicativos limitem o encaminhamento
de mensagens ou mídias para vários destinatários.
O WhatsApp já restringe os envios e também limita a quantidade
de usuários dentro de um grupo a um máximo de 256. No Telegram, que descumpre
ordens judiciais no Brasil, não há restrição aos encaminhamentos e os grupos
podem ter até 200 mil pessoas. A aprovação da lei ajudaria a uniformizar esse
ponto.
O prazo de 180 dias também seria aplicado à obrigatoriedade de
que as big techs identifiquem os conteúdos impulsionados e publicitários, de
forma que a conta responsável pelo anúncio seja revelada. Além disso,
buscadores também devem identificar conteúdos publicitários, de maneira que
usuários tenham acesso a um nome e a um meio de contato fornecido pelo
anunciante.
As plataformas que oferecerem serviço de impulsionamento de
propaganda eleitoral ou de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou
partido devem disponibilizar aos usuários todos os anúncios impulsionados. Será
preciso informar valor total gasto na propaganda impulsionada, identificar o
CNPJ ou CPF do anunciante e características gerais da audiência contratada,
entre outros dados.
"Quando você tem a informação desse valor que vem de um
determinado grupo, você consegue identificar ou pelo menos puxar um rastro de
investigação sobre quem são os financiadores desse tipo de informação",
afirma a advogada Valéria Paes Landim, membro da Abradep (Academia Brasileira
de Direito Eleitoral e Político).
Landim participa do Observatório da Transparência Eleitoral do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral).
"A falta de norma efetiva para poder coibir esse
espalhamento de notícia falsa tem potencial altíssimo de trazer um resultado
não desejado ou desinformado para as eleições deste ano", continua.
"Se esse projeto de lei não for aprovado a tempo,
possivelmente nós teremos um cenário muito pior e mais caótico do que foi visto
em 2018, que foi um escândalo."
Outros trechos do projeto têm um prazo menor, de 90 dias a
partir da publicação, para começarem a valer. Um deles, que estende a imunidade
parlamentar a redes sociais, é citado como preocupante pelo advogado Diogo
Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital.
Ou seja, manifestações de deputado e senadores em redes sociais
seriam protegidas por lei. Hoje, a imunidade parlamentar disposta pelo artigo
53 da Constituição diz que os congressistas "são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".
"No cenário eleitoral, em uma arena eleitoral, isso pode
ser um desastre", afirma.
"Os deputados são candidatos e concorrerão com pessoas que
não são deputados. As redes sociais de determinados candidatos terão muito mais
benefício, proteção e também limite, como não poder excluir seguidor, mas, ao
mesmo tempo, os adversários dele não terão essa proteção."
Para o advogado, a mudança mexe na principal coluna do sistema
eleitoral, que é a igualdade de condições. "A isonomia nunca é perfeita,
mas a gente deveria sempre buscá-la, e não ampliar a desigualdade entre os
candidatos."
Marcelo Weick Pogliese, professor do Centro de Ciências
Jurídicas da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), avalia ainda que algumas
regras do texto seriam desnecessárias caso fosse aprovado o Código Eleitoral
parado no Senado.
"Minha preocupação é que, se você tem um projeto de Código Eleitoral
tramitando e se o objetivo é ter a conjunção de todas as regras em matéria
eleitoral no Código, o ideal é que essa matéria também fosse enfrentada no
Código, e grande parte está sendo enfrentada no Código", diz.
"Tem muita coisa que está repetida. Tem muitas ferramentas
de contenção da desinformação que já estão no Código Eleitoral."