Divulgação (Foto: reprodução)
Como Forças Armadas, Apex e Receita foram usadas no
esquema de vendas das joias de Bolsonaro
A venda ilegal dos presentes recebidos enquanto ocupava a Presidência
contou com ajuda de mais de 11 pessoas
O caso da venda ilegal das joias pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) e de mais 11 aliados pela Polícia Federal (PF), revelado pelo
Estadão, envolve investigações da corporação quanto ao uso da estrutura de
órgãos públicos para o esquema.
A comercialização dos presentes recebidos enquanto ocupava a
Presidência contava com colaboradores que ocupavam cargos públicos, segundo a
PF. É o caso do tenente-coronel do Exército Mauro Barbosa Cid e de seu pai, o
general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid.
Mauro Barbosa Cid , o filho, era ajudante de ordens do
presidente, uma espécie de equipe de “faz tudo” e e ficou encarregado de
desviar os itens em solo brasileiro. Cid, o pai, exercia função similar em
território americano. No Brasil, Cid contou com o apoio do chefe da Receita
Federal e com funcionários do Ministério de Minas e Energia.
No relatório final da PF consta que o translado de um kit de
joias de ouro do Brasil para os Estados Unidos foi feito com uma aeronave da
Força Aérea Brasileira (FAB).
Apex
Segundo investigação da PF, Mauro Lourena Cid exerceu “diversas
atividades relevantes” para o esquema de venda ilegal dos bens dados à
Presidência. O general Cid estava loteado no escritório em Miami, nos Estados
Unidos, da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a
ApexBrasil.
A função do pai de Mauro Cid era vender as joias, no Estados
Unidos e repassar o valor em espécie a Jair Bolsonaro. A PF identificou que ao
menos 25 mil dólares foram repassados ao ex-presidente.
Nesta sexta-feira (11), uma sindicância interna da Apex atestou
que Lourena Cid fez uso da estrutura do órgão para as atividades de
comercialização dos presentes.
Aeronáutica
A PF também constatou que uma aeronave da FAB foi utilizada para
o translado de um kit com presentes valiosos. O voo com a comitiva do então
presidente Jair Bolsonaro partiu do Brasil no dia 30 de dezembro de 2022. O
porte da bagagem ficou a cargo de Mauro Cid, o filho, e a mala teria como
destino seu pai, em Miami.
No entanto, o voo pousou em Orlando, a 380 quilômetros de Miami,
o que obrigou o tenente-coronel a fazer outras tratativas para garantir a
chegada do kit no escritório da ApexBrasil. Cid acionou Marcela, uma ex-assessora
da primeira-dama Michelle Bolsonaro, para esse translado extra.
Receita Federal
No Brasil, o esquema de venda de joias obteve a “adesão” do
ex-secretário da Receita Federal durante o governo de Jair Bolsonaro, Julio
Cesar Vieira Gomes. Em depoimento aos investigadores, o próprio Vieira Gomes
admitiu que tomou conhecimento da apreensão de joias da Arábia Saudita no
Aeroporto de Guarulhos por intervenção do então presidente. Bolsonaro pediu ao
secretário mais informações sobre a retenção dos itens, e Vieira Gomes lhe
respondeu que “iria pesquisar” sobre o assunto.
Para obter os dados solicitados por Jair Bolsonaro, o secretário
acionou servidores públicos da Receita Federal. O destinatário das informações
foi o tenente-coronel Mauro Cid, que estava encarregado de resgatar os bens
apreendidos.
Marinha
Em outubro de 2021, um pacote de joias da Arábia Saudita foi
retido no Aeroporto de Guarulhos. O kit estava em posse de Marcos Soeiro,
assessor do então ministro Bento Albuquerque, que é almirante da Marinha. O
próprio ministro de Jair Bolsonaro foi à alfândega e tentou, sem sucesso,
liberar os diamantes.
Os itens continuaram retidos até dezembro de 2022, quando Jair
Bolsonaro estava prestes a encerrar o mandato presidencial. Bento Albuquerque
enviou um emissário para tentar a retirada das joias, o sargento Jairo Moreira
da Silva, que integrava, como Mauro Cid, a equipe de ajudância de ordens de
Jair Bolsonaro.
O auditor da Receita que atendeu Jairo resistiu à liberação dos
itens sem a documentação adequada. Jairo fez uma chamada telefônica para Julio
Vieira Gomes, mas o auditor da Receita não cedeu ao pedido.
Ministério de Minas e Energia
A PF aponta que foram determinantes ao esquema as atuações de
dois funcionários da pasta: Marcos Soeiro, o assessor que teve a bagagem com o
kit retida, e o almirante José Roberto Bueno Junior, ex-chefe de gabinete do
ministério.
Soeiro omitiu aos agentes de fiscalização que portava bens que
deveriam ser incorporados ao patrimônio da União. O almirante Bueno foi quem
encaminhou a remessa do kit ouro rosé a um departamento da Presidência que,
entre outras funções, cuida do acervo de presentes ao chefe do Executivo
federal, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH).
Uma vez remetida ao GADH, caberia a Marcelo Vieira, chefe do
departamento, determinar que o presente deveria ser encaminhado ao acervo
pessoal de Jair Bolsonaro.