Divulgação (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Propostas de
repúdio mobilizam deputados federais e mantêm polarização nas redes
Mais de dois mil requerimentos foram apresentados nestes dois
anos de governo Lula
Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em
janeiro de 2023, o número de protocolos para moções de aplausos ou de repúdio a
temas e personagens variados se multiplicou na Câmara dos Deputados. Reflexo da
polarização política no País, as propostas têm sido movidas principalmente por
parlamentares apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), sob a
justificativa de que determinados assuntos causam "inquietação" no
Congresso.
As moções têm pouca serventia do ponto de vista legislativo, mas
na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem, o instrumento ajuda os
parlamentares a ganhar engajamento principalmente nas redes sociais e a
centralizar a discussão no mundo virtual em torno de "narrativas" e
pautas de interesse desses grupos.
Nestes dois primeiros anos de governo Lula, foram apresentados
na Câmara mais de 2 mil requerimentos do tipo. Nas comissões temáticas da Casa,
onde esse tipo de proposta é analisado, os congressistas gastam horas
discutindo as moções, embora alguns deputados reconheçam, de forma reservada,
que elas têm pouca ou nenhuma utilidade prática.
Parlamentares analisaram em 2024, por exemplo, manifestações de
louvor aos empresários Elon Musk, dono do X, e Luciano Hang, dono das lojas
Havan, e ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e
moções de repúdio às cantoras Madonna, Anitta e Pabllo Vittar.
"(As moções) Servem, de uma certa forma, para mostrar essa
inquietação. Quando você não tem nada o que fazer, resta o que no Direito se
chama de jus sperniandi. O direito da vítima de espernear ao seu algoz",
afirmou o deputado José Medeiros (PL-MT).
Neste ano, mais de 130 requerimentos de moção, de um total de
615, foram votados e avançaram em colegiados. A maior parte delas tramitou na
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que domina a
agenda. Uma em cada três proposições aprovadas no colegiado temático da Câmara
foi uma moção, ou de louvor ou de repúdio a alguém ou a algum tema.
Segurança Pública
O deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) criticou esse tipo
de iniciativa no colegiado. "Esta é uma comissão cuja maioria faz uma
opção por lacração nas redes sociais e por esvaziar um bom debate de ideias na
segurança pública. A maior parte tem uma posição extremista e tem como método
marcar posições sobre tudo, por meio de moções de aplausos e de repúdio",
disse ele.
Integrantes do colegiado discordam e argumentam que, na Comissão
de Segurança Pública, as propostas não tomam muito tempo dos congressistas e
ajudam a dar destaque a temas que eles acreditam ter importância. "Se você
olhar pelos índices de produtividade, a comissão (de Segurança Pública) é uma
das que mais produzem. As moções são céleres, não tomam muita energia. É uma
forma de trazer luz a temas que merecem destaque e deveriam ser tratados com a
importância que o tema requer", afirmou o deputado Marcos Pollon (PL-MS),
um dos principais integrantes da bancada da bala.
No geral, maioria desses requerimentos serve para congratular
personalidades próximas aos deputados por conquistarem funções relevantes em
órgãos de segurança pública e exaltar policiais.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
Renato Sérgio de Lima, as sucessivas moções pautadas na Comissão de Segurança
Pública representam um aceno para as redes sociais e são usadas como
demonstração de força de um colegiado dominado por bolsonaristas.
"Se, na prática, a moção não tem efeito, politicamente e
nas redes sociais, que é o principal espaço de atuação desses deputados, é uma
forma de manter o enquadramento", afirmou. "Parece que eles são muito
mais poderosos do que de fato são, enquadram o debate e deixam o governo
refém."
Como tem a maioria absoluta do colegiado, o presidente da
Comissão de Segurança Pública e representante da bancada da bala deputado
Alberto Fraga (PL-DF), costuma pautar os requerimentos em bloco, o que acelera
as votações. Segundo Fraga, não há como impedir os deputados de apresentarem os
requerimentos para as moções. O dever dele, afirmou, é apenas fazer a filtragem
para descartar propostas que não tenham relação com a área da segurança
pública.
"Não posso impedir o parlamentar de fazer moções de repúdio
ou de louvor. A esquerda, quando faz isso, é porque sabe que a Comissão de
Segurança Pública é a única em que o governo não apita nada. Lá é a maioria
esmagadora de deputados conservadores", declarou o deputado do PL.
Aborto
Em alguns casos, os requerimentos são tantos que provocam
confusão. Em sessão da Comissão da Família, em abril, o presidente do
colegiado, deputado Pastor Eurico (PL-PE), colocou em pauta um requerimento de
apoio e um de repúdio a uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que
proíbe médicos de realizarem um procedimento necessário para a realização do
aborto legal em gestações com mais de 22 semanas resultantes de estupro.
Deputados então tiveram de discutir primeiro qual iniciativa
prosperaria e a matéria foi a voto. Também dominado por parlamentares
bolsonaristas, o colegiado, depois de quase uma hora e meia de debates, aprovou
uma moção de apoio à resolução do CFM.
Autopromoção
Há casos de moção até para autopromoção. O deputado Eduardo
Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, propôs uma moção
de aplausos aos integrantes do Grupo de Estudos de Segurança Pública no Estado
do Rio de Janeiro, do qual ele foi o criador.
De acordo com Pazuello, os membros do grupo criado por ele são
"valorosos" e "contribuíram sobremaneira para o aprimoramento da
segurança pública no Estado do Rio de Janeiro e no País". A proposta foi
aprovada na Comissão de Segurança em março.
Tarcísio de Freitas recebeu três moções de aplausos. Elas foram
aprovadas, segundo parlamentares, pelo fato de o governador de São Paulo ter
tido uma "atuação exemplar em apoio ao Estado do Rio Grande do Sul",
pela "excelente gestão frente às políticas de enfrentamento ao crime
organizado em São Paulo" e por ter feito um pedido de desculpas ao
presidente de Israel, Isaac Herzog, após declarações de Lula.
Já o bilionário Elon Musk foi homenageado "por expor e
enfrentar a censura política e infundada imposta pela Justiça brasileira contra
os usuários da plataforma no País". O magnata protagonizou um embate com o
ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o cientista político Marco Antonio Carvalho, pesquisador da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), o excesso de moções "banaliza" os
requerimentos, que assumem mais uma função ideológica. "Tudo isso tem a
ver com posições e tem um cunho ideológico", disse ele. "O corte é de
forte identidade política e religiosa."
Futebol
Uma partida de futebol motivou uma moção de repúdio apresentada
pela deputada Helena Lima (MDB-RR). Ela representou contra o também deputado
Nicoletti (União Brasil-RR), a quem acusou de ter "cercado" e
"ofendido" um árbitro após a sua equipe ter sido derrotada em um jogo
do Campeonato Roraimense.
Segundo Helena, Nicoletti teria dito que se tratava de
"perseguição política" porque ela patrocina o time rival. A proposta
foi para a Comissão de Esporte, mas foi arquivada. Para revidar as acusações da
colega, Nicoletti também fez uma moção de repúdio, igualmente arquivada.
Rio Grande do Sul
Ao longo deste ano, uma moção provocou maior contestação do
governo, que exigiu votação nominal. O deputado Pastor Henrique Vieira
questionou a aprovação de uma moção de aplausos ao empresário Luciano Hang pela
ajuda às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul. Vieira afirmou que a
iniciativa era uma tentativa de "politização em cima da dor".
De acordo com o parlamentar do PSOL, artistas e celebridades da
esquerda e da direita estavam ajudando o Estado e não faria sentido homenagear
apenas um empresário. O requerimento foi rejeitado por falta de votos.
Lula, de outro lado, foi alvo de moção de repúdio pela
"demora em mobilizar o Exército Brasileiro para atuar no resgate e apoio
no Estado".