divulgação (Foto: Reprodução)
Demitido por
igreja diz que foi alvo de homofobia; Justiça manda reintegrar
Um ex-funcionário da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias
está processando a instituição religiosa na Justiça do Trabalho por ter sido
demitido por justa causa sob a acusação de ter cometido infidelidade conjugal
e, com isso, ter violado o código de conduta previsto por seu empregador.
Para o empregado, porém, a decisão da igreja foi motivada por homofobia.
Separado de fato (quando o casal não formaliza o divórcio) desde 2016,
Frederico Jorge Cardoso Rocha, 61, tem, há cerca de dois anos, um
relacionamento homoafetivo.
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias nega. "Um
funcionário não é demitido devido à sua identidade ou preferência sexual",
afirma, em nota. A entidade religiosa diz que todos os seus funcionários
aceitam voluntariamente viver de acordo com os padrões da instituição, como
fidelidade conjugal.
Rocha trabalhou para a igreja por 37 anos como comprador. Ele
prospectava e negociava terrenos em toda a América Latina, onde novas capelas e
templos seriam instalados.
Na sexta (3), a juíza substituta Caroline Ferreira Ferrari, da 15ª Vara
do Trabalho de São Paulo determinou a reintegração provisória de Rocha ao
trabalho, por meio de um recurso chamado de tutela de emergência.
Pesou para a concessão, segundo escreveu Ferrari na decisão, as
condições de saúde do ex-funcionário -que tem uma cirurgia agendada para o dia
15 de junho- e o risco de um agravamento devido ao rompimento de vínculo com o
plano de saúde em consequência da dispensa por justa causa.
Pelo tipo de demissão, cuja aplicação é prevista pela CLT (Consolidação
das Leis do Trabalho) para faltas graves, Rocha ficou sem o direito à multa de
40% dos depósitos feitos no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), ao aviso
prévio e ao seguro-desemprego.
Perdeu também o plano de saúde. Como tinha mais de dez anos como
segurado, ele poderia, caso a demissão tivesse sido sem justa causa, manter o
plano de saúde, desde que assumisse o pagamento integral do benefício.
A reintegração provisória ao emprego, bem como a reinclusão do
ex-funcionário no plano de saúde terá de ser cumprida em 48 horas, sob pena de
multa diária de R$ 500. A igreja pode recorrer.
No processo que move contra a Igreja, Rocha pede a reversão da demissão
e o pagamento dos salários e demais benefícios que deixaram de ser pagos desde
o início de abril, quando foi dispensado. Caso a demissão seja mantida, ele
quer o cancelamento da justa causa e a liberação das verbas trabalhistas
decorrentes da dispensa comum, como a multa de 40% do FGTS.
O ex-funcionário também pede o pagamento de indenização por danos morais
de R$ 750 mil, que incluem compensações pelo que considerou uma violação de sua
intimidade e vida privada e por dispensa discriminatória.
Membro da igreja ligou para a ex-mulher dele Rocha tem convicção de que
seu relacionamento -e não o divórcio não consumado- foi o motivo de sua
demissão porque um membro da igreja procurou sua ex-mulher para perguntar se
ele era, de fato, homossexual.
A apuração, explica o ex-funcionário, decorre de um procedimento interno
da doutrina da igreja, que é a necessidade de os empregados terem uma
credencial chamada de "recomendação para o templo", durante o qual há
uma entrevista presencial realizada a cada dois anos.
Quando passou por esse procedimento, em fevereiro deste ano, Rocha diz
ter sido informado que a igreja havia recebido uma denúncia de que ele era
homossexual e vivia um relacionamento homoafetivo.
Naquele momento, conta Rocha, ele negou o questionamento. Tinha medo de
perder o emprego e considera que a igreja é "reconhecidamente
homofóbica", segundo escreveu sua defesa na ação trabalhista.
"Não é fácil dizer a verdade. Passei muitos anos da minha vida para
aceitar quem eu sou, que eu sou homossexual, são anos de terapia. É difícil
dizer isso quando você sabe o preconceito que vai sofrer", diz.
A igreja baseou a demissão, segundo o comunicado que apresentou ao
ex-funcionário, em dois itens previstos para a justa causa, que são mau
procedimento e insubordinação. No comunicado de dispensa, ele é informado de
que violou "deveres de fidelidade conjugal".
A exigência da fidelidade conjugal é prevista em contrato a que todos os
funcionários tiveram que assinar a partir de 2008.
Ele afirma que a separação judicial da ex-mulher nunca foi concretizada
porque a manutenção do vínculo permitia que ela fosse sua dependente no plano
de saúde. "Sou uma pessoa discreta, nunca expus a igreja a qualquer
constrangimento. Meu trabalho sempre foi executado de maneira íntegra, não
aceito a humilhação de uma justa causa."
Para a advogada Maria Helena Autuori, sócia do escritório Autuori
Burmann, a invasão de privacidade é um agravante, independentemente dos valores
da instituição religiosa. "Ele não cometeu nenhum ato ilícito. O que ele
fez em sua vida privada não afeta o contrato de trabalho, não faz mal a ninguém
e nem mesmo à igreja", afirma.
Frederico Rocha também encaminhou ao Ministério Público Estadual uma
representação para que a igreja seja interpelada criminalmente. Desde 2019,
homofobia é crime pelo enquadramento na Lei do Racismo.