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Nova Lei da Improbidade pode beneficiar
'rainha da corrupção' e um ex-Lava Jato
Essa aplicação da nova Lei da
Improbidade tem sido utilizadas como "drible" pelas defesas
De um ex-integrante
da Lava Jato a uma fiscal aposentada que foi chamada por um delator de
"rainha da corrupção", defesas têm proposto a reversão de PADs
(processos administrativos disciplinares) de seus clientes com base na
aplicação retroativa da nova Lei de Improbidade Administrativa.
Essas ações
disciplinares podem resultar em sanções como a demissão ou a perda da
aposentadoria e são reguladas por legislação específica.
No entanto, há
entendimento entre advogados de que o previsto na lei de improbidade pode
afetar esses procedimentos. Além disso, normas mais benéficas podem retroagir
para favorecer acusados.
Como a nova Lei de
Improbidade afrouxa normas da legislação anterior, mesmo antes da sanção do
presidente Jair Bolsonaro, em 26 de outubro, defesas já anteviam a
possibilidade de recursos em diversos processos.
Essa era uma das
possibilidades estudadas pela defesa do procurador da República Diogo Castor de
Mattos, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato do Paraná, que teve a pena
de demissão aplicada pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Castor bancou, em
Curitiba, um outdoor em homenagem à operação, e por 6 votos a 5, o plenário do
CNMP considerou que o procurador cometeu ato de improbidade administrativa.
Ele foi membro da
antiga força-tarefa de Curitiba e cedeu cerca de R$ 4.000 em recursos próprios
para a propaganda colocada na saída do aeroporto da capital paranaense no
início de 2019, por ocasião dos cinco anos da investigação.
Porém, deve haver
uma ação de perda de cargo para que haja essa demissão. A defesa vinha
argumentando que a nova Lei de Improbidade Administrativa menciona proibição a
autopromoções que usem "recursos do erário", e que ela pode ser
aplicada retroativamente ao caso do procurador.
No Tribunal de
Justiça de São Paulo, uma funcionária sob suspeita de enriquecimento ilícito
tem tentado, ainda sem sucesso, considerar os efeitos da nova lei tanto em uma
ação civil pública em que é acusada de improbidade quanto em PAD que tenta
cassar sua aposentadoria.
Ideli Dalva
Ferrari, que era fiscal de rendas da Secretaria da Fazenda e se aposentou em
2016, é acusada pelo Ministério Público de São Paulo de improbidade em uma ação
civil apresentada em 2018 pelo promotor Marcelo Milani.
Embora Ideli
tivesse uma remuneração de aproximadamente R$ 13 mil antes da aposentadoria, a
Promotoria afirma que ela e familiares compraram 44 imóveis e movimentaram R$
10 milhões, sem comprovar a origem do dinheiro. Parte das transações usou
dinheiro em espécie.
Além dessa ação
civil, Ideli foi mencionada na delação de Ananias José do Nascimento, um
ex-agente fiscal de rendas envolvido na máfia do ICMS –esquema de pagamentos de
propinas de empresas a agentes públicos para evitar cobranças tributárias.
Segundo Ananias, Ideli era conhecida como "rainha da corrupção" na
Secretaria da Fazenda.
O advogado de Ideli
Ferreira, Aristides Zacarelli Neto, afirma que sua cliente não cometeu qualquer
irregularidade.
"O caso dela é
emblemático, porque não obstante ela ter o apelido de 'rainha da corrupção', é
importante lembrar que não há nenhuma ação penal contra ela. Ao contrário, a
investigação feita pelo Ministério Público foi arquivada", afirma
Zacarelli.
Na nova lei de
improbidade, foi eliminada a possibilidade de sanção por irregularidades
"culposas" –agora será preciso a acusação comprovar que houve dolo
(quando há intenção ou se assume o risco de cometer o ilícito).
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É com base
principalmente nesse argumento, de que a acusação não apontou dolo, que a
defesa de Ideli tem tentado anular suas ações.
"A gente
entende que a nova lei se aplica sim ao caso dela, seja no âmbito do processo
administrativo, seja no âmbito da própria ação civil pública. O que a gente
pretende fazer é utilizar todos os argumentos legais para que seja aplicada a
nova legislação", diz o advogado.
"Ela tem um
patrimônio que foi adquirido antes mesmo de ela entrar na Secretaria da Fazenda
e o patrimônio dela é absolutamente compatível com os rendimentos que ela
recebeu e ainda recebe", acrescenta. "Isso está mais do que
demonstrado nos autos. Então não há dolo. Dolo do quê? De ela ter amealhado
patrimônio?"
O entendimento
dele, porém, é diferente do exposto pelo desembargador Paulo Barcellos Gatti em
decisão de recurso apresentado pela defesa.
"O
'descompasso' entre a evolução patrimonial do servidor e a remuneração por ele
percebida no cargo permanece qualificado como ato passível de caracterizar
improbidade por enriquecimento ilícito", afirmou.
"Imprescindível
considerar que a Administração Pública em nenhum momento imputou à ex-servidora
a prática de atos destituídos do dever objetivo de cuidado [culpa] ",
disse o magistrado.
"Ao revés,
destacou-se, ao longo de toda a apuração preliminar, a voluntariedade e a
consciência (dolo elemento subjetivo do tipo) da ex-servidora na acumulação de
patrimônio pessoal, o qual aparenta estar desalinhado da capacidade
proporcionada por seus ganhos habituais, podendo ter sido fruto direto de
vantagens indevidas percebidas em razão do exercício da função pública".
A retroatividade da
nova lei de improbidade tem sido motivo de diversas discussões. A Câmara de
Combate à Corrupção do Ministério Público Federal aprovou uma nota técnica
orientando os procuradores que, em seu entendimento, a nova lei de improbidade
não é retroativa.
Para o Ministério
Público, a retroatividade dessas ações vai de encontro à Constituição.
Advogados procurados pela reportagem têm uma visão diferente.
"As novas
regras processuais se aplicam de imediato e as novas regras de direito material
mais benéficas se submetem ao princípio da retroatividade em benefício do
acusado ou infrator", afirma a advogada Cecilia Mello, que foi juíza do
TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região).
"Não me parece
haver margem para discussão diante das disposições constitucionais que regem o
tema e do próprio texto da lei."
O advogado Eduardo
Alexandre Guimarães diz que a condenação por improbidade tem natureza jurídica
de pena e tem sido tratada pela doutrina mais moderna, inclusive pelo Supremo
Tribunal Federal, como um subsistema do direito penal.
"Sendo uma
norma verdadeiramente penal, a lei de improbidade administrativa deve retroagir
para beneficiar o agente acusado", afirma.
O QUE MUDA NA LEI
Descrição dos atos
de improbidade
Como era
O texto da lei era genérico sobre as situações que podem configurar
improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos
sejam enquadrados na legislação
Como ficou
O novo texto traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e
prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência
interpretativa da lei
Forma culposa de
improbidade
Como era
A lei estabelecia que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou
imperícia podem ser objeto de punição
Como ficou
Novo texto cita apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção
de praticar a conduta prejudicial à administração). A medida deve promover
redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à
Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei
Titular da ação
Como era
O Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da
União) e as procuradorias municipais podiam apresentar as ações de improbidade
à Justiça
Como ficou
O Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações