divulgação (Foto: Reprodução)
Delegado
geral cobra dados sigilosos da Omertà e delegada diz que “não confia na
polícia”
O delegado geral da Polícia Civil, Adriano Garcia Geraldo, cobrou,
durante reunião com todos os delegados, dados de investigação sigilosa da
Operação Omertà, que desvendou a atuação de dois grupos de extermínio ligados
ao jogo do bicho em Mato Grosso do Sul. Integrante da Força-Tarefa, a delegada
Daniella Kades de Oliveira Garcia, afirmou que não repassaria os dados “porque
não confia na polícia”.
Os detalhes do embate constam de áudio divulgado pelo jornal Campo
Grande News (veja aqui)
e expõem a pressão sofrida pelos delegados que levaram à prisão empresários
poderosíssimos e intocáveis por décadas, como Jamil Name, Jamil Name Filho e
Fahd Jamil, o Rei da Fronteira. Uma das linhas da investigação é justamente a
colaboração de guardas municipais, policiais e até delegadas com as
organizações criminosas.
A briga foi o ápice de uma guerra de forças entre os investigadores e a
cúpula da Polícia Civil. Uma portaria de Adriano Geraldo já vinha sendo
questionada nos bastidores. Ele condicionou a autorização de operações
especiais envolvendo várias delegacias à comunicação prévia de detalhes da
investigação ao delegado-geral da Polícia Civil. Este seria o caso da Omertà,
deflagrada pela primeira vez em setembro de 2019 pelo Gaeco com o apoio do
Garras e outras delegacias.
Durante a reunião, conforme o Campo Grande News, Adriano Garcia cobrou
os nomes dos grupos de fora que estariam na Capital substituindo o vácuo
deixado pela família Name no jogo do bicho, um negócio de R$ 60 milhões. A
delegada contestou a informação de que os novos integrantes seriam de fora do
Estado. No entanto, Daniella Kades não revelou os nomes dos alvos da
investigação em andamento.
“Eu não vou falar o nome das pessoas”, afirmou a delegada. “Por que?”,
questionou o delegado-geral. “Por que não confio na polícia”, enfatizou
Daniella, na frente do chefe. Ele reagiu: “não confia em você?”. “Em mim, eu confio”,
ressaltou a delegada, causando a fúria do chefe.
“Se não vai por bem, vai na dor. Aí a gente põe hierarquia, porque é
muito triste você dizer que não confia”, ameaçou Adriano. O delegado-geral
continua alegando que não precisa provar sua honestidade para a colega e, neste
momento, ela revela saber de uma conversa entre ele e os advogados que
representavam a empresa Pantanal Cap, logo que a ações contra a empresa
começaram.
A Justiça acatou as alegações da polícia, de que a venda do título de
capitalização era usada para lavar dinheiro do jogo do bicho e dar suporte ao
grupo de extermínio comandado por Jamil Name e Jamil Name Filho. A juíza
Eucelia Moreira Cassal, da 3ª Vara Criminal, determinou a suspensão das
atividades da empresa e bloqueio de contas bancárias e bens.
“Veio advogado aqui, logo depois que nós apreendemos o Pantanal Cap, tá?
O senhor falou que era uma arbitrariedade minha, dele e deles [outros delegados
da força-tarefa], que nós tínhamos apreendido Pantanal Cap. O senhor nunca quis
que nós mexêssemos com Pantanal Cap, fica bem claro isso para mim. Que isso é
um abuso, vocês têm que representar esses delegados por abuso. Eles nos
representaram por ordem do senhor”, comentou a delegada.
“Determinar um advogado, um bandido, a representar os delegados que
estão investigando ele, é complicado, né”, enfatizou Daniella Kades. “Você não
sabe o que é gerir uma polícia”, argumentou Geraldo.
De acordo com o Campo Grande News, Adriano Garcia Geraldo determinou a
abertura de processo administrativo e policial contra a delegada. Ela responde
por “insubordinação grave em serviço”.
A delegada explicou ao site como tudo começou. “Foi determinado que eu
dissesse e eu disse que não diria, porque tem procedimentos em andamento pela
força-tarefa, e que eu não poderia revelar, até pela autonomia do delegado de
polícia. É uma prerrogativa de delegado de polícia não revelar questões que
envolvam diligência ainda em andamento, que está ainda sobre a sua
investigação”.
“Até para não gerar mais problemas, até mesmo constrangimento desses
diretores e do próprio delegado-geral, eu não disse que aquelas informações
eram do conhecimento daquelas pessoas e do próprio delegado-geral, eu só disse
que não reportaria porque eu não teria confiança na polícia, até mesmo pelos
fatos que foram levantados e pelas pessoas que foram presas, investigadas ao
longo de todos os eventos feitos pela força-tarefa”, pontuou.
“Não teve sindicância, foi direto processo administrativo. Agora, vamos
trabalhar na nossa defesa”, afirmou, sobre a represália adotada pelo
delegado-geral da Polícia Civil.
O polêmico áudio se junta a outros fatos envolvendo delegados. O
delegado Márcio Obara chegou a ser preso acusado de subtrair provas e trabalhar
para proteger os chefes das organizações criminosas.
Em audiência na 1ª Vara Criminal, o empresário Jamil Name Filho, preso
desde setembro no presídio federal, insinuou que o antecessor de Geraldo, o
delegado Marcelo Vargas, só foi indicado graças a influência do pai. Jamil Name
teria impedido depoimento do capitão Paulo Roberto Teixeira Xavier, que
incriminaria o delegado e acabaria impedindo a sua nomeação como delegado
geral.
Só que Vargas não impediu a deflagração da Operação Omertà, que levou os
Name’s para o presídio há dois anos. Ele deu todo o respaldo para a
força-tarefa combater o jogo do bicho e desvendar as execuções ocorridas na
Capital.
Delegada Daniella Kades virou alvo de processo administrativo e até inquérito policial após se negar a revelar dados sigilosos para o chefe (Foto: Arquivo)
Adriano Garcia diz
que gravação foi tirada de contexto
Em nota à imprensa, o delegado geral da Polícia Civil, Adriano Garcia
Geraldo, destaca que gravação divulgada pelo Campo Grande News foi tirada de
contexto. “Salienta-se que o áudio divulgado trata-se de um recorte, não
revelando o início e o final da reunião, cuja íntegra por certo demonstraria o
que de fato ocorreu”, afirmou.
Ele explicou que a reunião era de trabalho e sigilosa para tratar de
estratégias de combate ao crime organizado. Para contestar a delegada, ele
frisou que confia no trabalho da Polícia Civil.
“INFORMAÇÃO
Em resposta a publicação de matéria no site com o título “Na cara do
chefe, delegada que investiga mafiosos diz não confiar na polícia”, informamos
que os fatos se deram em reunião de trabalho, havida em outubro de 2021,
convocada pela Administração Superior para alinhar estratégias objetivando o
combate ao crime organizado, ocasião em que a Delegada de Polícia que prestou a
entrevista jornalística, ao invés de contribuir para o objetivo da reunião,
afirmou que “não confiava na Polícia”, sendo o ocorrido encaminhado à
Corregedoria Geral de Polícia Civil, órgão da Administração Superior, que tem
por atribuição precípua atuar na defesa dos direitos e interesses individuais e
coletivos e promover medidas para a correção de erros e abusos das autoridades
e agentes policiais, apurando a responsabilidade funcional.
Outrossim, cumpre ressaltar que os fatos em questão são de cunho interno
da PC/MS, de natureza estritamente administrativa e que s.m.j. (sic), trata-se
de possível violação aos princípios basilares da hierarquia e disciplina que
regem as instituições policiais de todo o país.
Como se observa, os fatos estão sob apuração do órgão de Controle Interno
cuja atuação se pauta pela observância das normas processuais vigentes e dos
princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa.
A Delegacia-Geral da Polícia Civil por meio da presente nota repudia a
gravação de reunião sigilosa para tratar de assuntos referentes à repressão ao
Crime Organizado e posterior divulgação aos órgãos de imprensa.
Salienta-se que o áudio divulgado trata-se de um recorte, não revelando
o início e o final da reunião, cuja íntegra por certo demonstraria o que de
fato ocorreu. Por fim, diferentemente do que sugere a matéria e a afirmação
leviana da Delegada, a Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul confia
integralmente em seus membros, os quais são responsáveis por eIevá-la ao
primeiro lugar no ranking nacional de eficiência e esclarecimento de delitos.
ADRIANO GARCIA GERAL
DELEGADO GERAL
DA POLÍCIA CIVIL/MS”