divulgação (Foto: Roberto Jayme/TSE)
PGR divulgou
dados semelhantes aos que motivam processo contra Lava Jato
A PGR (Procuradoria-Geral da República) divulgou denúncias com
informações semelhantes às que levaram à abertura de processo administrativo
disciplinar (PAD) contra os procuradores da Operação Lava Jato do Rio de
Janeiro.
Os textos oficiais de divulgação da PGR sobre as quatro acusações contra
o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, assinados pela
subprocuradora-geral Lindôra Araújo, foram publicados na página do órgão com dados
colhidos a partir de quebra de sigilo bancário dos investigados.
Os releases, como esses textos são chamados, descrevem o montante
supostamente recebido em propina, bem como o número de vezes em que houve
transações financeiras entre os acusados.
A divulgação de informações desse tipo foi uma das razões para a
abertura de PAD pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra os
11 ex-integrantes da antiga força-tarefa da Lava Jato do Rio.
Os ex-membros da Lava Jato do Rio foram alvo de reclamação disciplinar
protocolada pelos ex-ministros Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho Márcio
Lobão. Os três foram denunciados pelo procuradores sob acusação de recebimento
de propina na construção de Angra 3.
A defesa dos acusados afirma que o texto de divulgação à imprensa sobre
a denúncia continha dados obtidos na quebra de sigilo bancário autorizada num
inquérito sigiloso sobre o qual não havia qualquer decisão para sua
publicização.
O release sobre a denúncia, divulgado um dia após seu oferecimento à
Justiça Federal, descrevia o montante total da suposta propina recebida pelos
acusados.
"Em propinas, o grupo de Jucá teria recebido ao menos R$ 1,3
milhão, enquanto o de Edison Lobão chegou a receber R$ 9,3 milhões",
afirma o comunicado, que também descreveu o número de vezes em que os
pagamentos aconteceram.
O corregedor do CNMP, Rinaldo Reis Lima, concordou com a tese dos
ex-ministros. Na sessão de terça-feira (19), em que a abertura do PAD foi
decidida, o procurador afirmou que a divulgação daqueles dados era irregular.
"São dados que estavam sob sigilo dos procedimentos e que eles não
poderiam ser publicizados. O problema não é a publicização das denúncias, mas a
publicização dos dados. Não teria havido afronta ao sigilo se tivesse sido fornecido
informações do tipo: 'Foi oferecida denúncia por motivo tal, crime tal'. Mas
entrar no detalhamento de dados afronta, sim, o sigilo", afirmou o
corregedor.
Os procuradores da antiga Lava Jato fluminense afirmam que a divulgação
do oferecimento de denúncia é prática comum no Ministério Público Federal,
obedecendo o princípio da publicidade e do interesse público.
Os releases da PGR sobre os casos de Witzel indicam que modelo também é
adotado na cúpula do MPF.
No dia em que o ex-governador foi afastado, a PGR ofereceu denúncia
contra ele e outros acusados sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e
organização criminosa. O comunicado descrevia informações financeiras obtidas a
partir da quebra de sigilo bancário, cujo acesso era restrito na ocasião.
"O [então] governador utilizou-se do cargo para estruturar uma
organização criminosa que movimentou R$ 554.236,50 em propinas pagas por
empresários", afirma o texto da PGR.
A informação foi obtida a partir das quebras de sigilo bancário e fiscal
do escritório de advocacia da ex-primeira-dama Helena Witzel, onde os recursos
foram depositados.
O mesmo texto aponta com detalhe o valor pago pelo empresário Gothardo
Lopes ao escritório da então primeira-dama: R$ 280 mil.
No mesmo dia, comunicado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) afirmava
expressamente que o ministro Benedito Gonçalves "manteve o sigilo do
inquérito", origem das informações publicadas no texto da PGR.
Informações semelhantes foram reproduzidas pela PGR nas outras três
denúncias contra Witzel, em que se descreve montantes supostamente arrecadados
com propina, bem como o número de vezes que os repasses aconteceram.
"O grupo iniciou as atividades em 2017, com a cooptação de Witzel
para concorrer ao governo, que recebeu, ainda quando era juiz federal, quase R$
1 milhão", afirmou a PGR na segunda denúncia contra o ex-governador.
"De 8 de julho de 2019 a 27 de março de 2020, Wilson Witzel, se
utilizando do cargo de governador do Rio, em ao menos 11 oportunidades,
solicitou, aceitou promessa e recebeu vantagens indevidas no valor de R$
53.366.735,78", aponta o texto da Procuradoria na terceira acusação contra
Witzel.
O ex-governador nega todas as acusações.
Em nota, a PGR afirmou que "todas as divulgações institucionais
seguem diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Comunicação".
"Eventuais questionamentos relacionados a casos concretos serão
respondidos nas instâncias adequadas", afirmou a Procuradoria.
As investigações contra Witzel tiveram o apoio da antiga força-tarefa da
Lava Jato fluminense. A divulgação das informações, porém, se deu na página da
PGR.
A abertura de PAD contra os procuradores da Lava Jato fluminense ocorreu
em meio ao debate sobre a PEC (proposta de emenda à Constituição) que altera a
composição do órgão e dá mais poder ao Congresso no colegiado.
Um dia antes, na segunda-feira (18), o CNMP decidiu pela demissão do
procurador Diogo Castor de Mattos, membro da antiga força-tarefa da Lava Jato
em Curitiba, em razão da contratação de um outdoor na capital paranaense em
homenagem à operação.
As decisões foram interpretadas por parlamentares como resposta do
conselho às críticas de que o órgão é corporativista e hesita em penalizar
membros da carreira.
Essa leitura foi feita principalmente por envolver procuradores da Lava
Jato, que participaram de diversas ações do MPF contra nomes importantes do
mundo político.
A PEC amplia o número de membros do Conselho de 14 para 17, aumentando
de 2 para 5 as cadeiras para indicação pelo Congresso. Uma das vagas para
indicação do Legislativo seria justamente a de corregedor, responsável pela
análise das denúncias contra membros dos ministérios públicos.
Defensores da alteração afirmam que é necessário tornar o órgão mais
eficiente e rigoroso em relação às infrações cometidas por procuradores.
Associações de classe do Ministério Público, por sua vez, dizem que ela
representa uma tentativa de ingerência política no órgão.