Divulgação (Foto: Antônio Augusto/Secom/TSE)
Barroso suspende julgamento do STF sobre foro
privilegiado após 2 votos para ampliar alcance
A nova regra valeria para casos de renúncia, não reeleição,
cassação, entre outros motivos
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto
Barroso, suspendeu o julgamento sobre o alcance do foro privilegiado
de deputados, senadores, ministros e outras autoridades na Corte. O
placar estava com dois votos favoráveis - dos ministros Gilmar Mendes e
Cristiano Zanin - à manutenção da prerrogativa mesmo após a saída das funções.
A nova regra valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre
outros motivos.
Em 2018, após um ano de debates e diversas interrupções no
julgamento, o STF bateu o martelo: estava na hora de restringir o alcance do
chamado foro por prerrogativa de função. Desde então, inquéritos e processos
criminais envolvendo autoridades como deputados e senadores só precisam começar
e terminar no STF se tiverem relação com o exercício do mandato.
Agora, o ministro Gilmar Mendes - relator do caso - propôs que,
quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a
saída das funções. O decano do STF defendeu que, no fim do mandato, o
investigado deve perder o foro se os crimes foram praticados antes de assumir o
cargo ou não possuírem relação com o exercício da função. Com o pedido de vista
(mais tempo para análise), Barroso precisa devolver o processo para julgamento
em até 90 dias para o plenário virtual. Nesta modalidade, os votos são registrados
na plataforma online ao longo de uma semana, sem debate presencial ou por
videoconferência. Qualquer ministro pode pedir destaque, o que automaticamente
transfere o julgamento para o plenário físico.
Mesmo com a mudança em 2018, o escopo do foro privilegiado no
Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que
têm direito a ele - de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais
superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro
específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente
Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do
Executivo e aos ministros de Estado.
A retomada do julgamento encontrou agora o STF em nova
composição. Os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo
Lewandowski, que participaram do julgamento em 2018, deixaram a Corte nesses
quase seis anos.
Gilmar fala em 'recalibrar contornos'
Ao pedir a retomada do tema no STF, Gilmar argumentou que é
preciso "recalibrar os contornos" do foro privilegiado. "Estou
convencido de que a competência dos Tribunais para julgamento de crimes
funcionais prevalece mesmo após a cessação das funções públicas, por qualquer
causa (renúncia, não reeleição, cassação etc.)", disse Gilmar no voto.
"Proponho que o Plenário revisite a matéria, a fim de
definir que a saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes
praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação
com o seu exercício; quanto aos crimes funcionais, a prerrogativa de foro deve
subsistir mesmo após o encerramento das funções".
Gilmar defendeu a aplicação imediata da nova interpretação de
aplicação de foro privilegiado aos processo em curso, "com a ressalva de
todos os atos praticados pelo STF e pelos demais Juízos com base na
jurisprudência anterior".
Para o ministro, o foro privilegiado é uma prerrogativa do
cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve permanecer mesmo com o fim
da função. "Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a
outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o
contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política
possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa
de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e
maledicências", disse.
"Essa justificativa é ainda mais adequada no contexto
atual. Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos
grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se
torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições
democráticas".
Gilmar cita as ações dos atos golpistas do 8 de Janeiro e como,
na visão dele, o STF agiu para evitar atrasos nos processos, recorrendo, por
exemplo, a análises pelo plenário virtual. "As medidas implementadas
produziram resultados tangíveis, como demonstram as ações penais sobre os
ataques de 8 de janeiro, cuja instrução ocorreu num bom ritmo, sem sobressaltos
e com rigorosa observância do direito de defesa. A experiência recente revela
não somente que o Tribunal está preparado para instruir e julgar ações penais
complexas, envolvendo detentores de prerrogativa de foro. Ela também comprova
que o exercício dessa competência não engessa o funcionamento da Corte nem
ofusca suas demais funções institucionais, como a jurisdição
constitucional".
O Estadão apurou que os ministros foram consultados e acordaram
que a discussão deveria ser retomada. A expectativa é detalhar melhor a tese a
partir de controvérsias que se apresentaram ao últimos seis anos, sem retornar
ao modelo anterior, que foi reformado justamente para baixar o volume de ações
criminais após o Mensalão.
Casos que podem ser afetados pela nova regra
A discussão ganhou tração em meio à transferência das
investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista
Anderson Gomes ao STF. O deputado Chiquinho Brazão, apontado pela Polícia
Federal como mandante do crime, era vereador na época. O ministro Alexandre de
Moraes, no entanto, argumentou que houve tentativas de obstrução do inquérito
quando ele já tinha assento na Câmara dos Deputados, o que em sua avaliação
justifica o deslocamento do caso ao Supremo.
O pano de fundo do julgamento é um habeas corpus do senador
Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele é réu em uma ação penal na Justiça Federal
do Distrito Federal por suspeita operar um esquema de rachadinha quando foi
deputado. A defesa nega as acusações e alega que o processo deveria tramitar no
Supremo, porque desde então ele exerce cargos com prerrogativa de foro.
No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado no STF, a
defesa sempre argumenta que o tema da falsificação do cartão de vacina, por
exemplo, não está relacionado ao exercício do seu mandato.
Uma das zonas cinzentas envolvendo o alcance do foro é
justamente o cenário dos "mandatos cruzados" - quando um deputado
(estadual ou federal) ou senador troca de Casa Legislativa. Em 2021, a Segunda
Turma manteve o foro do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das
"rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o
que levou ao arquivamento da denúncia.