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Sentenças com uso da Lei de Proteção de Dados
dobram em cinco anos
Levantamento consta da terceira edição do Painel LGPD nos
tribunais
As normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)
estão sendo usadas cada vez mais para basear decisões judiciais no Brasil.
Entre 2022 e 2023, o número de sentenças que consideram a legislação passou de
665 para 1.206 decisões - em 2021, foram 274.
Os dados são da terceira edição do Painel LGPD nos tribunais,
organizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa
(IDP) e o Jusbrasil, com o apoio do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os estudos foram realizados por 130 pesquisadores e foram
analisados mais de 7.500 documentos obtidos por meio de algoritmos
desenvolvidos pela equipe do Jusbrasil. Os dados levantados são de acesso
público e foram coletados em diferentes Diários O?ciais eletrônicos e nas
páginas de pesquisa de jurisprudência do Poder Judiciário. O conteúdo completo
da pesquisa será divulgado no primeiro trimestre de 2024.
A diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade (CEDIS) do
IDP e coordenadora do projeto LGPD nos Tribunais, Laura Schertel Mendes,
explica a tendência está relacionada à consolidação da legislação, que completa
cinco anos de vigência.
"A LGPD tem criado raízes, ficado cada vez mais efetiva,
tem ganhado amadurecimento. O Judiciário tem percebido como ela pode, sim,
auxiliar na solução de muitos problemas. Então, neste período, acho que o
cidadão tem buscado o exercício de seus direitos, amparado na LGPD e, por outro
lado, o próprio Judiciário tem respondido e trazido, cada vez mais, a LGPD como
um dos aspectos centrais da sentença para a solução de casos", avalia.
Vazamento causa danos materiais e imateriais
A LGPD foi publicada há cinco anos e está em vigor, de forma
escalonada por três anos, para regulamentar o armazenamento, compartilhamento e
coleta de dados pessoais e sensíveis de consumidores e usuários.
Quando dados pessoais são vazados podem causar danos materiais e
imateriais à pessoa exposta, o que tem motivado pedidos de reparação material e
moral na Justiça brasileira, bem como a responsabilização civil por incidentes
de segurança e vazamento de dados.
Concretamente, o primeiro dano relacionado à insegurança no
trato de dados pessoais pode estar ligado à identidade, nos chamados roubos de
identidade, que ocorrem quando um fraudador se passa pelo titular dos dados
acessados e, com isso, ilegalmente, pode, por exemplo, firmar contratos em nome
daquela pessoa, pedir crédito financeiro ou cometer fraudes bancárias.
Laura Schertel Mendes também cita danos na categoria imaterial.
"Este é o dano de quando a pessoa tem esses dados vazados e ocorre quando
ela não sabe, no futuro, se vai sofrer algum tipo de prejuízo ou se estes dados
poderão ser usados em algum outro momento. Há a incerteza sobre em que contexto
esses dados poderão ser empregados".
Casos mais comuns
A pesquisa indica que os principais casos que consideram a
aplicação da LGPD são da áreas do Direito Civil, do Direito do Consumidor e do
Direito do Trabalho.
Na Justiça trabalhista, a diretora Laura Mendes aponta que entre
os mais recorrentes estão pedidos de provas digitais de geolocalização em ações
trabalhistas. "Muitas vezes, sejam eles os trabalhadores, sejam eles os
empregadores, pedem o acesso à Justiça do Trabalho para que os dados de
geolocalização sejam coletados para fins de prova em processos trabalhistas,
nas reclamações trabalhistas".
A pesquisadora Mônica Fujimoto, coordenadora científica do
estudo, destaca que na maioria das negativas desses pedidos são consideradas
outras provas "menos invasivas à intimidade e à proteção constitucional
aos dados pessoais".
O terceiro levantamento da série identificou, em 2023, uso da
lei para contestação de decisões automatizadas e envolvendo aplicativos de
transporte. "Sabemos que os aplicativos de transporte têm uma relevância
social, cada vez maior, e muitas pessoas têm aquela disputa, aquela
controvérsia, aquela discussão trabalhista sobre qual que é o vínculo daquela
pessoa, do motorista com o aplicativo. Se essa é uma relação trabalhista ou
não".
Segundo a diretora, quanto às decisões automatizadas, muitos
usuários têm recorrido ao artigo 20 da Lei Geral de Proteção de Dados, que
permite ao consumidor conhecer quais são os critérios desse tipo de decisão,
tomada unicamente com base em tratamento computadorizado de dados pessoais que
afetem os interesses dos titulares, como decisões a respeito de perfil pessoal,
profissional, de consumo e de crédito ou aspectos de personalidade.
O cidadão tem o direito de questionar, por exemplo, a negativa
de concessão de crédito ou aprovação de uma compra. A lei respalda o pedido de
revisão de uma decisão automatizada, que, primeiramente, deve ser encaminhada à
empresa.
No entanto, chamou a atenção dos pesquisadores que o Judiciário
não tem lidado com o artigo 20, como se fosse uma garantia autônoma na
discussão trabalhista ou contratual. "Acho que, nessas decisões, a gente
perde a oportunidade de aplicar de fato ou de compreender qual que é a lógica e
o fundamento de um artigo muito importante da Lei Geral de Proteção de Dados.
Porque, de fato, é um direito do titular dos dados conhecer os critérios das
decisões automatizadas, se ele foi submetido a uma decisão", ponderou.
A Lei Geral de Proteção de Dados traz instrumentos novos ao
campo do Direito brasileiro, o que também impõem desafios. "A gente ainda
não descobriu todos esses instrumentos, não percebeu o potencial de todos esses
dispositivos. Acho que é um processo natural para que a gente possa criar uma
cultura de proteção de dados no Brasil, com esses cinco anos da edição da Lei
Geral de Proteção de Dados. E dessa cultura, fazem parte os tribunais, a
sociedade civil, as empresas, o próprio Estado brasileiro. Cada vez mais vamos
perceber que a lei traz, sim, instrumentos modernos, eficazes e úteis para
solucionar muitos dos problemas e conflitos novos e desafiadores que o cidadão
brasileiro pode ver na nossa sociedade".
Os que são dados pessoais
A LGPD considera como dados pessoais nome, endereço, e-mail,
idade etc. Já os dados pessoais sensíveis se referem à origem, raça, credo
religioso, orientação sexual, positividade para doenças e condição política. A
proteção legal é mais rígida para os classificados como sensíveis.
Por isso, a recomendação é de cuidado com os dados pessoais na
internet, como no preenchimento de formulários, no compartilhamento de
informações e publicações nas redes sociais.
"Sempre pense muito bem como quer se expor na internet. A
gente faz isso de muitas formas, por meio de fotos, por meio de aplicativos.
Muitas vezes, a gente expõe também nossos familiares, nossos filhos. Mas será
que essa pessoa, esse familiar, esse meu filho, quer, de fato, essa exposição
no futuro?', pondera a diretora.
Em relação à segurança, Laura Mendes chama os internautas à
autorresponsabilidade, com a adoção de medidas preventivas de fraudes e
vazamento de dados nos aplicativos pessoais, computadores e celular.
"Considere os dados que está compartilhando e com quem.
Pense muito bem se você quer autorizar o uso de cookies, no seu computador.
Hoje, a gente tem uma responsabilidade, sim, pela gestão dos nossos dados. Isso
é fundamental", alerta.
Os usuários não estão sozinhos neste tráfego de informações
pessoais. A Lei Geral de Proteção de Dados dita a responsabilidade de empresas,
controladores de dados e também para o Estado como um todo, que devem manter
uma relação transparente.
"No
sentido de que existe um direito à proteção de dados, o tratamento precisa ser
transparente. É preciso permitir que o titular possa exercer todos os seus
direitos relacionados ao acesso, retificação e cancelamento de dados, e
principalmente, eu acho que trazer mais um direito: a transparência para toda
essa relação".