Divulgação (Foto: José Cruz/ Agência Brasil)
Pesquisadora
Carla Akotirene denuncia racismo no sistema de Justiça
Autora aponta falsos flagrantes e discriminação em audiências e
expõe urgência de mudanças estruturais
A população negra ocupa a maioria dos presídios no Brasil, uma
realidade incontestável tanto para a sociedade quanto para os Poderes Públicos.
Entretanto, o que ainda precisa ser exposto é como essa situação foi gerada e
perdura. Carla Akotirene, professora e doutora em estudos de gênero, mulheres e
feminismos, emerge como uma figura central nesse debate, indicando caminhos por
meio de estudos inovadores, filosofia africana e respeito aos orixás.
Com formação e prática profissional em assistência social,
Akotirene é autora de obras como O que é
Interseccionalidade e Ó pa í,
prezada: racismo e sexismo institucionais tomando bonde nas penitenciárias
femininas. Em 2016, lançou o programa Opará Saberes, buscando estimular e
apoiar o ingresso e a permanência de pessoas negras nas universidades.
Seu mais recente trabalho, intitulado É fragrante fojado dôtor vossa excelência, a ser
lançado em janeiro de 2024, destaca-se ao denunciar práticas criminosas de
agentes de segurança pública que forjam flagrantes de tráfico de drogas,
frequentemente atribuídos a pessoas negras.
Akotirene destaca a tendência dos promotores em favorecer a
versão policial, ignorando a legalidade vista do ponto de vista do
"flagranteado". Nesse embate entre escrita e oralidade, a escrita
muitas vezes prevalece, perpetuando injustiças, pois promotores e policiais são
ambos servidores públicos.
Recentemente, em Brasília, para uma palestra no Ministério
Público do DF (MP-DF) e participação na Festa Literária Internacional de Paraty
(Flip), Akotirene apontou que o racismo está arraigado nas sentenças e
flagrantes. Ela acusa a "mídia sensacionalista" de colaborar na
criação de flagrantes forjados, resultando em danos irreparáveis às vítimas.
A pesquisadora sugere a existência de um acordo tácito entre
essas mídias e a polícia para gerar flagrantes e aumentar a audiência das
emissoras. Mesmo quando os flagrantes são considerados ilegais e as prisões
preventivas são convertidas, homens e mulheres negras já tiveram suas vidas
devastadas, evidenciando a urgência de mudanças estruturais no sistema de
Justiça brasileiro.
O 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela que mais de
dois terços da população prisional é negra, destacando também que 43% dos
encarcerados são jovens entre 18 e 29 anos. A condução das audiências de
custódia é apontada por Carla Akotirene como parte do problema, ressaltando a
hierarquização colonial da palavra negra nesse contexto.
Feminismo negro
Akotirene também concentra seus estudos nas mulheres negras,
destacando a relação entre racismo e poder masculino. Ela ressalta a
contribuição do feminismo negro na luta antirracista e antipatriarcal,
problematizando a conexão histórica entre racismo e capitalismo, especialmente
na redução de pena baseada em dias trabalhados.
Carla Akotirene encontra inspiração em pensadoras dos Estados
Unidos, como Sojourner Truth, Bell Hooks e Angela Davis, mas destaca a
influência significativa da intelectualidade nacional, como Lélia Gonzalez,
Luiza Bairros e Matilde Ribeiro. Observa também o impacto transformador da Lei
de Cotas nas universidades públicas, proporcionando novas oportunidades para
mães de família.
Como
alternativa ao sistema prisional, Akotirene propõe a mediação de conflitos e
vislumbra um cenário futuro onde não seja necessário nenhum tipo de punição,
almejando a abolição do cárcere por meio de uma tecnologia jurídica
afrocentrada.