divulgação (Foto: Roupas da marca Tons da Terra. Crédito: Divulgação)
Empreendedora encontra a felicidade em sua marca de roupas com tecidos
africanos
Alice Pinto é a criadora da Tons da
Terra e empondera através da moda
A empreendedora Alice Pinto, 35 anos, é uma das pessoas que resistem às
dificuldades financeiras que vieram com a pandemia do novo coronavírus. Dona da
marca Tons da Terra, que saiu para valer do papel em 2017, ela relata os
problemas vivenciados para manter o seu negócio desde março de 2020.
"Antes da pandemia, tava numa crescente boa, com artistas fazendo
parceria, mas com a pandemia tive uma caída. [...] Consegui me manter, mas com
a pandemia as vendas caíram 60, 70%", explicou.
Mesmo assim, a empresária e design deu um jeito. "Consegui vender
máscaras, vender peças sob medida, muitos compraram para participar de lives,
entrevistas, aulas. [...] No ano passado fiz uma divulgação boa e até [lançou]
uma coleção de inverno", explicou a empresária, que coquista mensalmente
entre dez a 20 clientes sob medida na pandemia.
Ser resistência não é algo incomum para Alice. Quando seu negócio
começara a decolar, a bióloga percebeu que não seria fácil. "As grandes
dificuldades vieram quando fui em busca de financiamento para crescer a marca e
não consegui. Ali eu vi o divisor de águas: pessoas brancas que conseguem bons
financiamentos para desenvolver e crescer a sua empresa, e nós, empreendedores
negros, que buscam crescer, mas a 'burocracia' dos bancos nos limitam".
Mas você acha que a empreendedora desistiu? Nada disso. A mensagem que
ela deixa para situações como essa resume bem o seu modo de agir.
"Acredite em você, vão ter pessoas que irão falar pra não ir, que vai dar
errado... mas é a sua vida. Continue, vá em frente, siga o seu destino e não o
do outro. No final, vai dar certo, bote fé!".
E deu. A marca Tons da Terra está cada vez mais consolidada no mercado.
Quem quiser conhecê-la pode acessar o perfil @tonsdaterrafashion,
no Instagram, ou ver as peças pessoalmente em uma loja física na rua Apolinário
Santana, no bairro Engenho Velho da Federação.
"Ainda não está aonde eu quero. Eu quero a Tons da Terra sendo
conhecida no Brasil todo, mas está se consolidando. Em Salvador já vejo que tem
pessoas que conhecem a marca, identificam no corte, no olhar da peça. Ainda
estou crescendo, em desenvolvimento, mas está, sim, sendo consolidada no
mercado", explicou Alice.
Sobre os clientes, Alice explica: "Eu trabalho para diversos tipos
de público, a maioria público negro, de religiões de matriz africana, que
entende, estuda ou conhece um pouco da cultura negra, afro-brasileira. Faço as
roupas para o público jovem, adulto e idoso".
A ideia principal de seus cortes, de acordo com a design, é emponderar.
"A maioria dos tecidos são étnicos, tecidos africanos, onde trago esse
olhar de poder, de emponderar na moda, de se sentir inserido na moda com os
tecidos africanos", explicou.
"Quero tirar esse olhar de que é algo exótico, de que é voltando
mais para a parte da religiosidade, ou então para algo mais figurativo. Não! O
tecido africano é, sim, inserido na moda e pode ser, sim, usado em diversos
ambientes e em diversos looks. Esse é o propósito da Tons da Terra, trazer esse
tecido africano pra diversos ambientes, espaços, em diversos looks. Pode ser do
clássico ao look do dia a dia. Um look mais voltado mais para urbano",
explicou.
A 'cura' por meio do trabalho
Alice Pinto encontrou na criação de sua marca a felicidade profissional.
Ela virou empreendedora depois de descobrir que seria difícil lecionar como
professora de Biologia por causa da doença de Crohn. "A Tons da Terra,
para mim, considero como cura. Sou bióloga por formação, mas não exerço [a
profissão] porque tenho uma doença crônica que me impede de ir para a sala de
aula, segundo os médicos, por causa de um pico de estresse causado pela minha
doença", explicou.
"Quando comecei a desenvolver, a pensar e a trabalhar com a Tons da
Terra, fui me sentindo mais mulher, mais cidadã, inserida no mercado,
independente. Com esse poder de criar, me senti útil. Quando vejo os clientes
vestindo bem as peças, sinto que estou fazendo algo", detalhou.
"Não sou mais aquela pessoa que ficava no sofá imaginando o que
poderia fazer da minha vida. A Tons da Terra vem como um processo de cura pra
mim, porque também vou crescendo, me desenvolvendo, me tornando mulher negra,
cidadã, independente, conhecedora também do que é ser Alice, mulher de criação,
produzir peças, sonhos, realizá-los", relatou a empreendedora.
"A luta é grande, mas é gostosa de viver"
De acordo com Alice Pinto, o racismo é um empecilho a mais para o
empreendedor negro. "Salvador tem um grande mercado de turismo e
desenvolvimento empreendedor, mas é para poucos e esses poucos são
majoritariamente brancos. É um racismo sutil em Salvador, mas que sabe sua
força de podar e limitar a nós, negros. Falo também em todos os âmbitos
profissionais", explicou.
Então, o caminho é a união. "Nós, empreendedores negros, temos que
coexistir por nós mesmos. Somos nós por nós. Estamos nos juntando, criando
lojas colaborativas ou próprias para nos mantermos de pé, para mostrar que o
nosso mercado é valioso e que também sabemos fazer economia", detalhou.
"Não podemos esperar por essa sociedade racista, temos que nos
colocar como grande empreendedores que somos e fazer valer todo o nosso legado
que nossos antepassados nos deixaram. Porque empreender é negro",
ressaltou.
Alice e a
família: à esquerda, a irmã Eneida, no centro, o irmão Paulo e a mãe Valclides
abraçada com o sobrinho Ayndê. Crédito: Arquivo pessoal
"Eu me sinto muito honrada em saber que inspiro outras pessoas. E é
o meu dever continuar fazendo acontecer e trilhando o meu caminho. A luta é
grande, mas é gostosa de viver", detalhou a empresária.
"Nós, negros, temos que aproveitar esse mês da Consciência Negra
para exaltar todo o nosso legado. Agora, a consciência é para os brancos",
disse Alice Pinto, uma "mulher preta de Candomblé, que estuda a
ancestralidade negra, que carrega um legado de sua mãe, que é costureira há
anos".