divulgação (Foto: Reprodução)
Caso Hyara: povo cigano denuncia problemas em ocupação de cargos no
governo Lula
Ativistas reivindicam postos ocupados por pessoas
não-ciganas na coordenação do Ministério da Igualdade Racial
Ativistas do Movimento Popular de Ciganos do Brasil denunciam que a
recém-criada Coordenação de Políticas para Povos Ciganos, vinculada à
Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de
Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT), do Ministério da
Igualdade Racial (MIR), pasta chefiada pela Ministra Anielle Franco e dirigida
pelo quilombola, Ronaldo dos Santos, está sendo ocupada e chefiada por pessoas
não-ciganas.
Conforme os/as denunciantes, foram criadas diretrizes jurisprudentes de
função comissionada para que apenas concursados federais pudessem ocupar os
cargos de chefia, coordenação-geral e Coordenação de Políticas para Povos
Ciganos, desconsiderando que a imensa maioria das pessoas ciganas não conseguem
sequer acessar a escola, que dirá concurso público no governo federal.
Atualmente, a coordenação é chefiada por uma pesquisadora antropóloga,
indicada para a função sem o conhecimento e consentimento do Movimento Cigano
Brasileiro, contando, ainda, com pelo menos outra pessoa pesquisadora no cargo
de coordenação, sendo que apenas os cargos de chefe de divisão, são ocupados
por duas ciganas, sendo uma servidora federal cedida, e outra contratada, mas
que atuam em funções técnicas reduzidas, sem atribuições deliberativas, ou
seja, simbólicas.
"Por que os segmentos Indígenas e Quilombolas contam com pessoas do
segmento em suas coordenações e diretorias e apenas a de Povos Ciganos abriu
esse perigoso precedente para que uma pessoa, que não é cigana, ocupe uma
posição destinada aos ciganos/as? Além disso, a única representante cigana no
MIR ocupa função técnica diminuta, sendo notadamente ignorada nas decisões e
excluída da Caravana Brasil Cigano, única ação até o momento direcionada e em
curso, que tem promovido viagens da comitiva do MIR para comunidades ciganas,
com o objetivo de escutar as mesmas demandas e necessidades dos Povos Ciganos
que têm sido expostas há décadas, e permanecem sem propostas de
solução", questionou Aluízio de Azevedo, cigano da etnia Calon, professor-doutor
em Comunicação e Saúde dos Povos Ciganos (FIOCRUZ-RJ), representante da
Associação das Etnias Ciganas do Mato Grosso e do Coletivo Ciganagens.
No final de junho, diversas Associações, Coletivos e Ativistas, se
uniram e produziram um ofício enviado ao MIR, por meio do qual questionam como
ocorreu a formação da Coordenação das Políticas Públicas para os Povos Ciganos
e quais foram os critérios para as nomeações das pessoas que estão na
coordenação, bem como os motivos de a equipe da coordenação não ter à frente
pessoas do próprio segmento, como ocorre nos demais.
Após diversas tentativas de diálogo e de obter respostas, apenas na
terça (11), o MIR comunicou que fará uma reunião de "esclarecimentos"
junto ao Movimento, na próxima segunda (17). Porém, evidenciaram por meio de
interlocutores que não há intenção de promover mudanças e nem de atender aos
pleitos.
Caso da cigana Hyara Flor reflete a ausência de políticas públicas
De acordo com a cigana da etnia Calon Sara Macedo Kali, mestra em
Direito, advogada popular, membro do Movimento Internacional de Mulheres
Ciganas, o caso da cigana Hyara Flor, vítima de feminicídio aos 14 anos, na
Bahia, é também reflexo da ausência de políticas públicas e de representantes
ciganas nos governos do Brasil.
"Precisamos refletir sobre onde estão as raízes das violências
envolvendo as comunidades ciganas do Brasil, o que não é possível de ser feito
sem a presença das próprias mulheres ciganas nesses espaços de articulação e
poder. Hoje temos no MIR uma coordenação de políticas para ciganos ocupadas por
pessoas alheias às reais necessidades e questões que nos envolvem. Precisamos
rever essas estruturas que não nos permitem ter o direito de ter direitos e
exigi-los. Somos privadas dos debates, e quando participamos é apenas
como coadjuvantes. Isso precisa mudar e este momento de luto, apesar de tanta
dor e sofrimento, nos mostra o quanto fazemos falta nesses locais, que devem
prestar apoio e desenvolverem políticas efetivas nesse sentido. A composição
atual da chefia de políticas para ciganos do MIR deve ser revista, isso é o
mínimo que esperamos de um governo do PT", declarou Sara, que reside em
Goiânia - GO, Estado com uma das maiores presenças de grupos ciganos do Brasil.
O jornalista cigano da etnia Calon e de tradição circense, Roy Rogeres
Fernandes, explica que os movimentos ciganos vêm crescendo paulatinamente, mas
ainda se esbarram nos preconceitos que impedem a ocupação de espaços de
formulação de políticas, como do MIR.
"Hoje nós temos mais ciganos/as em todas as profissões civis,
incluindo mestres e doutores, pesquisadores, que entendem das práxis
burocráticas e políticas necessárias para exercer o trabalho de elaboração,
defesa e promoção de políticas em benefício das comunidades ciganas do Brasil.
Embora não tenhamos tido a oportunidade de subir a rampa do Planalto Central ao
lado do presidente Lula no início deste governo, nos sentimos representados
pela diversidade de povos, segmentos e grupos que simbolizaram a promessa em
servir à pluralidade étnica que caracteriza a multiplicidade da população
brasileira, na busca por equidade e igualdade racial, que só é possível com a
participação concreta e não simbólica dos/as ciganos/as no seio gerador dessas
políticas e ações mobilizadoras neste sentido", desabafou.
"Ocorre que, na prática, não é isso que se observa na atual
composição da coordenação de políticas para os Povos Ciganos do Ministério da
Igualdade Racial (MIR), já que, uma mulher cigana reconhecida pelo movimento
compõe a equipe, que é liderada por uma mulher não cigana, a Sra. Edilma do
Nascimento e um homem não-cigano, o pesquisador Rafael Moreira, junto com
outras pessoas não ciganas. Ou seja, seguimos tutelados, sendo minoria e
cumprindo cota até mesmo em um setor mobilizado para atender as reivindicações
de pessoas ciganas no âmbito do governo Federal, e isso é sim algo muito
grave", expôs Fernandes, que está concluindo o mestrado com pesquisa sobre
Povos Ciganos no Ensino superior, na Universidade Federal da Bahia.
Indignação motivou denúncia coletiva
Os ativistas entrevistados afirmam que a indignação os uniu para expor o
que está acontecendo no MIR e a denunciar em outras frentes do Governo.
"Temos pessoas com ou sem mestrado e doutorado, com vivências,
experiências e saberes orgânicos, que nenhum pesquisador não - cigano pode
adquirir, esses que passam anos absorvendo e se apropriando dentro das
comunidades, sem que haja retorno, e na primeira oportunidade ocupam os espaços
destinados aos ciganos. As nossas lideranças próprias, nossas anciãs e sábias,
são pessoas que doam e doaram suas vidas para que déssemos segmento ao sonho da
equidade racial e de uma vida com mais dignidade, qualidade, respeito, com mais
oportunidades, e menos dores, injustiças sociais e cognitivas, e esperamos que
o Governo atual possa tomar conhecimento disso e propor soluções", disse
Fernandes.
"É justamente contra esse tipo de situação observada no MIR, bem
como em governos estaduais e municipais, que atuamos contra, por todo o Brasil,
pois, infelizmente, não se trata de algo isolado, mas que vêm acontecendo em
grande escala. Não são raros os casos de pesquisadores não - ciganos
representando os Povos Ciganos nas mais diversas esferas políticas e não
acreditamos que o MIR seja conivente ou incentive essa prática. Portanto, comunicamos
a nossa mais profunda tristeza e indignação com essa situação, e esperamos que
a ampla exposição possa resultar não somente em diálogos, mas em mudanças
efetivas que atendam realmente aos pleitos apresentado", finalizou Aluízio
de Azevedo.
Confira Associações, Coletivos e Ativistas que cobram esclarecimentos do
Ministério:
Associação Nacional das
Etnias Ciganas - ANEC - Sobradinho/Brasília/DF - Presidente: Wanderley da
Rocha;
Associação Comunitária Otávio Maia - Sousa/PB - Presidente: Cícero Romão
Batista;
Associação Pedro Benício Maia - Sousa/PB - Presidente: Francisco Lacerda
Figueiredo;
Associação Raimundo de Doca Gadelha - Sousa/PB - Presidente: Francisco Vidal
(Nestor Cigano);
Associação Nacional das mulheres ciganas - Porto Seguro/BA - Presidente:
Edvalda Bispo dos Santos Viana (Dinha);
Associação de Preservação da Cultura Cigana do Estado do Ceará - Presidente
José Eudo da Silva;
ACIRGS, Associação Ciganos Itinerantes do Rio Grande do Sul - Presidente
Rosecler Winter etnia Sinti e Vice-Presidente Emerson Guimarães etnia Lowara
Associação Estadual das Etnias Ciganas de Mato Grosso (AEEC-MT) - Presidente
Fernanda Alves Caiado;
Associação Cigana Cambre - Cavalcante (GO) - Presidente Selma Moreira
dos Santos;
Coletivo Ciganagens - Róy Rógeres, Aluízio de Azevedo, Sarah Macêdo, Danillo
Kalón, Marcylânia Alcântara, Hayanne Yvanovich e Desiree Matos;
Coletivo de Mulheres Ciganas - Comcib - hayanne Yvanovich;
Associação de preservação da cultura cigana do Paraná - APRECI/PR: Cláudio
Ivanovitchi;
Confederação Brasileira de Cigana - CBC, Presidente Rogério Nicolau, Vice
Presidente, Leonardo Costa Kwiek. Secretária Executiva Nacional Nardi Casanova.
Coordenador Geral Weverton Passos;
Comunidade Família Cigana Calon Claudomiro Cigano (Marcos Antônio
Pantaleão - Zona da Mate Mineira) - Conselheiro Lafaiete/MG (Filiada a Roda
Cigana/SP);
Associação cedro Centro de Estudos e Discussões Romani - CEDRO/SP
Presidente: Maura Ney Piemonte;
Centro Calon de Desenvolvimento Integral - CCDI - Sousa/PB - Presidente:
Francisco Lacerda Figueiredo;
Dr. Jucelho Dantas da Cruz - Cigano da etnia Calon - Prof. Titular da
Universidade Estadual de Feira de Santana-Uefs