divulgação (Foto: Reprodução)
Justiça afasta procurador denunciado por assédio moral na Câmara de
Salvador
Durante mais de um
ano, quatros advogadas recolheram provas materiais para denunciar o chefe da
Procuradoria Jurídica da Câmara
A juíza substituta Viviane Christine Martins Ferreira, da 3ª Vara
do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, determinou, na tarde desta
segunda-feira (7), o afastamento imediato de Marcos Vinicius Leal Gonçalves da
Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Salvador. Chefe do setor, Leal é acusado formalmente de assédio moral por quatros advogadas.
Desde junho, o Ministério Público do Trabalho (MPT) pedia o afastamento dele
das atividades.
Na decisão, que acata o pedido do MPT, a juíza entende que o
afastamento imediato e preventivo de Leal é uma “medida acautelatória”, já que
ele é “o principal autor dos atos de assédio moral apurados na investigação do
MPT”. Ela ainda determina que a Câmara apure eventuais denúncias de assédio
moral, discriminação ou abuso de poder, e promova, durante dois anos, cursos e
palestras periódicas sobre assédio moral no trabalho.
“Essa decisão nos
devolve a dignidade e o respeito pelo qual lutamos arduamente durante todo esse
tempo de sofrimento que amargamos na Câmara. Sabemos que ela representa uma
vitória que não é só nossa, é de todas as mulheres”, afirmaram as
denunciantes, em anonimato, à reportagem, depois da decisão judicial.
Caso o procurador não seja afastado, “com urgência”, segundo a decisão,
a Câmara deverá pagar multa de R$ 30 mil. Ele ocupa cargo comissionado na
função desde janeiro 2019. Primeiro, ocupou cargo de subprocurador. Dez meses
depois, em novembro, foi promovido a procurador chefe.
Em julho, o CORREIO publicou reportagem sobre o assédio moral alegado por
quatros advogadas. Durante mais de um ano, elas recolheram
provas materiais para denunciar por assédio moral o chefe da Procuradoria
Jurídica da Câmara.
Elas decidiram denunciar o chefe em janeiro de 2021, mas só formalizaram
a queixa ao MPT no fim de março deste ano, depois de registrarem momentos que
fundamentassem a denúncia, como gravações de reuniões e conversas particulares
com o chefe.
No dia 10 de junho, chegou à Câmara um despacho da procuradora do
Trabalho Rosineide Mendonça Moura. Ela recomendava o afastamento de Leal até 10
de julho, por entender que as denúncias eram “graves” e ofendiam “o
princípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho”. Mas
a recomendação não foi cumprida.
Em uma conversa anexada à queixa feita ao MPT, Leal discute com uma
servidora sobre o andamento de um processo. A servidora tenta mostrar
discordâncias quanto ao posicionamento do chefe. Ele responde: “Você tem de
cumprir ordens, você exerce função, se você não quiser, você bate um memorando
e renuncia e eu nomeio outra pessoa”. De acordo com as denúncias, coerções como
essa se tornaram comuns no ambiente de trabalho.
A reportagem tentou contato com a CMS, mas não foi atendida até o fechamento da
publicação. O espaço segue aberto.
Confira a decisão na íntegra:
Outros casos
Uma das participantes chegou a prestar queixa na Delegacia do
Idoso. A reunião, realizada em formato online, foi agendada depois que reportagem do CORREIO tornou público o caso das quatro
advogadas. Ele nega as acusações.
“Não há nada que desabone minha conduta. Todos sabem que minha conduta é
muito correta. Eu, na qualidade de chefe, tenho que zelar pelo órgão e isso
faço com muita propriedade. [...] Como alguém recomenda [meu afastamento] sem
ninguém me ouvir?”, afirmou o procurador ao CORREIO naquela ocasião.
Na reunião, funcionários contratados ou concursados públicos da CMS
discutiram o que o presidente da Associação de Servidores da Câmara (Ascam), Sidelmar
Castro, chamou de “assédio generalizado” na casa. Ficou decidido
no encontro que haverá ingresso de novas ações no Ministério Público do Estado
da Bahia (MPE-BA), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ordem dos Advogados
do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), relacionadas ao caso.
Outros relatos
Duas servidoras da Câmara falaram, na reunião promovida em julho, de episódio
de assédio vividos por elas. Uma contou que o procurador jurídico Marcus
Vinícius Leal Gonçalves foi desrespeitoso.
“Ele meteu o dedo
na minha cara e disse: ‘você procure me respeitar porque eu posso mandar você
para a rua’. Eu respondi: quem vai para a rua é você que não é concursado”, relatou a
servidora.
A situação, ainda segundo ela, teria ocorrido depois de uma brincadeira
da servidora com duas colegas. O caso rendeu o registro de um boletim de
ocorrência na Delegacia do Idoso.
Outra funcionária, atualmente de licença, relatou que ela e quatro
colegas foram ‘agredidos moralmente pelo procurador’. “Uma colega saiu chorando
da Projur”, acrescentou.
Das advogadas que denunciaram o procurador ao MPT, em janeiro de 2021,
uma participou daquela reunião online. “A gente não tem filiação política
e não vamos aceitar tudo que estamos passando, a gente deitou no chão para
sermos pisadas e não vamos admitir que tudo isso que a gente fez [as denúncias
contra Leal] seja jogado no lixo e dado conotação política. Quem tem telhado de
vidro não faz o que a gente fez”, argumentou a advogada, ao falar sobre as
denúncias.
Procurador sempre negou acusações
Em todas as ocasiões em que foi procurado, Marcus Vinicius Leal
negou conhecer as acusações que pesavam contra ele. Mas disse nunca ter
sido abusivo.
“Elas estão
exercendo o direito delas, eu respeito o exercício do direito. Discordo porque
entendo que não existe presente qualquer situação de assédio, mas apenas um
inconformismo da parte delas em relação ao meu comportamento como chefe. Sem
qualquer assédio, humilhação e constrangimento, porque eu sou altamente
respeitoso e correto", falou em julho.
No decorrer da entrevista concedida, por telefone, depois da
segunda reunião online, o procurador afirmou que as discordâncias profissionais
são ‘meras divergências’. “Se existe servidor que não concorda com os meus
posicionamentos, é uma mera divergência da vida”, afirmou.
“Não existe briga por conta
dessas divergências. Agora, o que eu tenho com os servidores antigos, que foram
os que participaram da reunião da Ascam, é uma divergência de natureza
jurídica. Eu, na condição de chefe da procuradoria dou um parecer de acordo com
a minha convicção e eles não aceitam. É apenas isso. Como eles não concordam,
partem para o ataque e para a acusação de que eu estou perseguindo. Ter o
entendimento diferente de outra pessoa não é perseguição. É pensar diferente".