divulgação (Foto: Reprodução)
Ambientalistas criticam urbanização do Abaeté e alertam para risco de
mudanças climáticas
Edital da prefeitura foi lançado para concorrência sem que projeto em
dunas fosse inteiramente conhecido
Texto
originalmente publicado no Jornal da Metropole em
24 de fevereiro de 2022
Depois
da extensa polêmica envolvendo a escolha de um nome evangélico para batizar uma
das dunas do Abaeté, agora é o projeto de requalificação da prefeitura que
atrai as atenções para o local.
Avaliada
em R$ 5 milhões, a requalificação prevê a ampla urbanização de um trecho das
dunas. No espaço, o poder público planeja a instalação de sanitários,
estacionamento e auditório, além da construção de escadaria e equipamentos de
lazer. O edital foi lançado para a concorrência sem que o projeto fosse
inteiramente conhecido.
Sem
esse detalhamento, as obras, explica o professor do Instituto de Biologia da
Ufba, Miguel Accioly, podem causar uma série de prejuízos climáticos para
Salvador.
Isso
porque as dunas do Abaeté, dentro de uma APA (Área de Proteção Ambiental), são
responsáveis por regular a temperatura e a interferência direta neste
ecossistema traz o risco de aquecer toda a cidade. “Sem vegetação, sem lagoas e
prédios mais altos, a tendência é que Salvador fique mais quente, mais seca,
mais desagradável”, pontua Accioly.
O
professor também cita o impacto que a intervenção teria na fauna e na flora.
Ele acredita ainda que o projeto tende a atrair mais visitantes e pode
representar um convite para a chegada de novos empreendimentos na área. “Indo
mais gente, vai ter ambulante, aí vão querer regulamentar e fazer um centro de
comercialização. Os terrenos ao redor vão começar a ter valorização, então
serão construídas mais igrejas, lojas, estacionamentos… Vai começar a se criar
demanda em um lugar que deveria ser protegido”, projeta.
Uma
maior circulação de pessoas ainda poderia causar a desestabilização das dunas,
desabando a areia para a Avenida Dorival Caymmi. “Qual deveria ser o uso devido
para aquela área? Contemplação, pesquisa científica e educação ambiental, tudo
isso em baixa densidade. Lá, já está tendo uma circulação em alta densidade e,
em vez de resolver isso, a prefeitura estaria ampliando a quantidade de
pessoas”, lamenta o biólogo.
Conforme
o artigo 15 da lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), a APA é uma unidade de
uso sustentável e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica,
disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais.
“De
modo geral, na APA é mais fácil de conseguir fazer modificações porque a
proteção não é tão rígida em comparação a outras unidades. Intervenções podem
ser feitas desde que haja comprovado interesse ou utilidade pública, além do
consentimento do Conselho Gestor do espaço. O ideal é que haja também a
participação da população diretamente envolvida. Isso pode ser feito através de
audiências públicas, mas quase nunca acontece dessa forma”, expõe o professor
de Direito Ambiental, Marcel Timbó.
Temendo
o fim da preservação das dunas, vereadores de oposição na Câmara Municipal de
Salvador ingressaram com uma ação civil pública contra o projeto. Assinada pela
vereadora Maria Marighella (PT) conjuntamente com as vereadoras do mandato
coletivo Pretas por Salvador (PSOL), a ação requer a “apuração dos fatos,
convocação dos responsáveis na Prefeitura pelo projeto, publicização e
discussão da proposta”.
“Estamos
aqui para fiscalizar. Esse projeto serve a quem, para quê? Precisamos verificar
a legalidade da questão ambiental. A prefeitura precisa responder a estas
questões”, diz Maria Marighella, presidente da Frente Parlamentar Ambientalista
de Salvador. “Não queremos projetos prontos, mas formulados com os seus
cidadãos”, completa.
A
vereadora lembra que a administração surpreendeu a todos com o ato de
assinatura da ordem de serviço para licitação de obra. Não houve consulta
pública e o projeto foi publicizado exatamente no mesmo dia em que surgiu outra
proposta de autoria do vereador evangélico Isnard Araújo (PL), que desejava
renomear o mesmo trecho como “Monte Santo - Deus Proverá”. Após revolta
popular, o projeto de lei foi retirado da Câmara de Vereadores.
Modelo
proposto
Jorge
Santana, presidente do Parque das Dunas (parte da APA) gerido pela Unidunas,
hesita sobre uma análise definitiva do projeto — que não foi apresentado para a
disputa da concorrência.
Apesar
da preocupação, Santana afirma que não enxerga a proibição dos cultos como uma
solução e pensa que a escada e os banheiros, presentes na proposta, podem
reduzir este problema. “Não tenho dúvidas [que o projeto pode atrair ainda mais
gente], mas é difícil calcular [possíveis danos]. Se fizer uma estrutura
embaixo, tem que ter um controle e, principalmente, educação ambiental. É
difícil ter esse controle, mas proibir não é a palavra certa”.
O
biólogo Miguel Accioly alerta que iniciativas parecidas têm gerado
consequências irreversíveis, constatadas com mais frequência nos últimos meses
em diversos estados brasileiros. “Quando se desrespeita a legislação ambiental,
é possível promover impacto sobre a nossa própria vida. Não é sobre proteger
plantinhas e bichinhos. É a nossa vida. Nesse caso, estamos falando de
qualidade atmosférica”.
Procurada,
a Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (Seinfra), responsável pelo
projeto, esclareceu que a área de intervenção está fora da APA. Em nota,
reforça que “a obra não tem o objetivo de coibir ou de aumentar o número de
visitantes no local, mas sim de ofertar infraestrutura adequada aos mais de 5
mil visitantes que sobem às dunas semanalmente”.
A secretaria ainda informou que a urbanização “foi pensada para
que as atividades rotineiras, dentre elas as religiosas, ocorram em plena
consonância com a natureza".