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"A blindagem contra o impeachment custou a Bolsonaro a
terceirização quase plena do governo", afirma cientista político
Paulo Fábio participa da
retrospectiva do Portal M!, comentando temas como pandemia, CPI da
Covid, atos no 7 de Setembro e Auxílio Brasil
Para quem esperava um 2021 mais
tranquilo em relação ao ano passado, o engano foi grande. Além do atraso na
vacinação no Brasil, que resultou em uma onda de casos da doença causada pelo
coronavírus ultrapassando a marca de 600 mil mortes, assuntos relevantes, como
a CPI da Covid-19, desemprego, fome e Auxílio Brasil foram pauta ao longo dos
meses deste ano.
A retrospectiva política do Portal M! traz alguns
desses fatos comentados pelo cientista político Paulo Fábio, professor da
Universidade Federal da Bahia (Ufba).
As mudanças na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com as
eleições de Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (DEM), respectivamente, podem
ser consideradas o início de tudo. Com Lira à frente da Câmara, a pressão pelo
impeachment do presidente Jair Bolsonaro (PL) diminuiu.
Sobre os benefícios que o Governo Federal obteve a partir disso,
Paulo Fábio explica: "Tenho minhas reservas em achar que foram benefícios,
ao menos que você considere que ter escapado de impeachment foi um benefício.
Mas essa hipótese de impeachment eu não sei se houve de fato em algum
momento".
"O que está acontecendo na Câmara, principalmente, é que
houve uma articulação prévia em torno de Arthur Lira, que é sediada na Câmara e
responde a objetivos próprios de reeleição dos deputados. Bolsonaro é um
complemento. Há uma interpretação feita por quem está na atividade política
que, no Brasil, há quase uma década, a figura do presidente perdeu o poder de
coordenação, o que estávamos acostumados nas presidências de FHC e de
Lula", detalhou.
"O presidente coordenava as ações do governo, comandava a
agenda, trabalhava cooperativamente com o Congresso. Os métodos variavam, nem
todos os métodos eram considerados idôneos. Mas havia uma governabiliidade
produzida por aquilo que chamamos de presidencialismo de coalizão. Isso
aconteceu até aproximadamente 2014", lembrou Paulo Fábio.
O cientista político prossegue: "Com Bolsonaro, ele
simplesmente abriu mão de governar o país até muito recentemente. E se agora se
sente algum tipo de ação do governo, é exatamente porque esse conjunto de
deputados que atende pela alcunha de Centrão assumiu, na verdade, a coordenação
do processo. Essa blindagem contra o impeachment custou a Bolsonaro a
terceirização quase que plena do governo a essa articulação
existente".
Para concluir sobre a relação entre o Congresso Nacional e Jair
Bolsonaro, Paulo Fábio diz: "A aceitação de Bolsonaro está menor, rejeição
maior, dificuldades eleitorais aumentaram muito. Não foi um ano favorável ao
presidente. Foi um ano de fortalecimento dessa articulação legislativa que,
através, principalmente, do controle do orçamento, das emendas do orçamento,
está podendo entrar nesse vácuo que foi deixado pela perda de funcionalidade do
presidencialismo de coalizão".
Pandemia
e CPI da Covid
Enquanto assuntos como o orçamento secreto repercutiam, a
pandemia no Brasil chegava ao seu pior momento. Uma onda de casos, nos
primeiros meses do ano, aliada ao atraso no início da vacinação, fez o país
alcançar a marca de 500 mil mortos pelo novo coronavírus, ainda no primeiro
semestre. Recentemente, o Brasil chegou a 618 mil óbitos por Covid-19.
Criada em abril de 2021, a CPI da Covid investigou as ações e
omissões do Governo Federal no combate à pandemia. Assuntos como o tratamento
precoce e o atraso da assinatura do contrato para receber vacinas da Pfizer
foram pautas de apuração pelo Legislativo, que podem ter freado uma postura
claramente negacionista do Executivo nacional.
"Não se pode dizer se a postura do Governo Federal
permaneceria ou não a mesma. Agora, na eleição do ano que vem, as máquinas
publicitárias de todos os lados, algumas vão trabalhar no sentido de relembrar
na memória do eleitor todas essas tragédias, mazelas provocadas por esse
comportamento contumaz de expor o país a esse tipo de situação que foi feito
pelo Governo Federal, enquanto outras máquinas publicitárias tenderão a fazer
isso passar ao esquecimento", analisa Paulo Fábio.
"O fato é que felizmente para o país se conseguiu deter
aquilo. Acho que a CPI teve um papel evidente, inegável, mas eu tenho uma
avalição negativa sobre a maneira pela qual a CPI foi politicamente conduzida.
Acho que foi entregue a um trio de líderes [Omar Aziz (PSD) como presidente,
Randolfe Rodrigues (Rede) como vice e Renan Calheiros (MDB) como relator] que
se comportaram de uma maneira a fazer com que o ambiente se transfomasse muito
mais num ambiente de investigações próximas do que seria uma delegacia do que
uma articulação política no sentido de fazer com que as denúncias -
importantes, não nego isso - pudessem ter alguma consequência depois do
resultado", explicou o professor da Ufba.
Paulo Fábio complementa: "O que se levantou está tendo um
efeito menor do que poderia ter tido se o comando da CPI tivesse tido um
comportamento mais sóbrio, politicamente menos atirado e menos espetaculoso.
Serviu para congelar as percepções, mas a polarização foi intensificada. Com
isso, quem era de alguma maneira simpático a Bolsonaro permaneceu e quem era
contra passou a ter ainda mais motivos para continuar sento contra. A CPI
produziu pouco em termos de virada de opinião".
O cientista político fala sobre a mudança após a CPI. "A
reversão [recuo] que foi feita é relativa. Bolsonaro não perde a oportunidade
para criar dificuldades, o governo continua agindo de uma forma manipuladora,
demagógica. A atitude de fundo não mudou, o que aconteceu é ele foi levado a
uma série de circunstâncias, pressões, a não poder mais fazer o que estava
fazendo", explicou.
"E aí entra essa coisa exuberante que é o nosso sistema de
saúde, capaz de operar prodígios. O Brasil conseguiu avançar na vacinação mesmo
com baixa coordenação pelo Ministério da Saúde. Houve um empenho muito grande
de governos estaduais, prefeituras, enfim, o sistema político, a opinião
publica, a imprensa, a sociedade civil, tudo isso se mobilizou", disse.
"Um conjunto de fatores que respondem por essa reversão que
deve ser comemorada. Situação de o país ter conseguido de fato recuperar uma parte
pelo menos daquele tempo perdido entre o final de 2020 e o início de
2021", complementou.
Sete de
setembro
No Dia da Independência do Brasil, os atos a favor de Jair
Bolsonaro foram o ápice das atitudes antidemocráticas no país em 2021.
O presidente da República atacou instituições como o Supremo
Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, além de chamar os atos
pró-governo de "ultimato" a duas pessoas que estavam, segundo
Bolsonaro, usando da "força do poder" contra ele - uma indireta aos
ministros do STF, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Dois dias depois, no entanto, Bolsonaro divulgou uma carta de
recuo afirmando que não "teve intenção de agredir quaisquer dos
Poderes".
O cientista político Paulo Fábio afirma: "A estratégia
predominante de Bolsonaro foi frustrada, demonstrou claramente que apostava num
teste de estresse das instituições, numa hipótese de virar o jogo virando a
mesa, e não conseguiu virar a mesa. Isso é uma vitória que precisa ser
comemorada, é um fato".
Paulo Fábio complementa: "O segundo fato, que ainda não
está determinado, mas vejo como algo em curso, uma tendência, é que ele não
consiga, embora esteja tentando, voltar a ter competitividade pela via
eleitoral. O seu plano A, que foi desestabilizar eleições, urnas eletrônicas e
apostar numa estratégia golpista, não deu certo. Agora Bolsonaro está tentando
retomar aparentemente um percurso de tentar a reeleição, mas esse território,
para ele, é minado. É difícil imaginar Bolsonaro competitivo para chegar ao
segundo turno, e é complicado imaginar uma vitória dele no segundo turno nas
condições de hoje".
Sobre a carta após o 7 de Setembro, o cientista político
acredita que "aquele recuo dele no dia seguinte encerrou um ciclo, foi um
fracasso".
Paulo Fábio diz que é incerto saber se Bolsonaro vai voltar a
atacar a democracia brasileira. "De lá pra cá, estamos vivendo outro
ciclo, outra situação. Isso tem três meses, ainda restam dez meses até as
eleições. Ainda restam dez meses até as eleições, e é impossível prever",
explicou.
Auxílio
Brasil
Por fim, o programa social Auxílio Brasil, em substituição ao
Bolsa Família, foi a pauta política deste fim de ano no país, que está sofrendo
com a fome e o desemprego. Com valor médio de R$ 217,18, o programa social pode
ter o seu pagamento ampliado para R$ 400. O cientista político Paulo Fábio
avalia a medida como importante diante do cenário atual.
"Qualquer força social e política responsável não pode
analisar essa questão dessa tragédia social que o país está vivendo tendo a
questão eleitoral como principal prisma. Claro que o Auxílio Brasil terá
repercussões eleitorais, mas trata-se de uma outra coisa agora, de uma
tentativa imprescindível de tomar medidas que possam atenuar essa brutal
situação, trágica, que dezenas de milhões de brasileiros estão passando por
conta da conjugação da falta de horizonte econômico, um desastre econômico mais
a pandemia", explicou.
Para o professor, a necessidade do Auxílio é indiscutível,
embora os meios para chegar até ele sejam questionáveis.
"Os caminhos para que [o Auxílio] seja viabilizado são
discutíveis, mas o populismo do governo está tentando fazer dessa tragédia um
trunfo. Mesmo com a Câmara articulada para aprovar coisas que signifiquem um
diálogo com o governo, Bolsonaro não seria autorizado a romper o teto [de
gastos], fazer o tipo de pedalada que está sendo autorizado a fazer se, de
fato, não houvesse uma crise social real, que tem uma dimensão eleitoral, mas
não é a dimensão mais importante".
"Nenhuma oposição poderá merecer credibilidade se a sua
estratégia num momento como esse for deixar a situação se agravar para o
governo se demoralizar. Não há justificativa para que a oposição assuma uma
situação como essa", reforçou Paulo Fábio.